Prólogo - Gargalhar

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   Aquela risada estridente não era difícil de ouvir mesmo em meio a tantos gritos e explosões, ela permanece em minha mente até hoje.

   Gotham sempre exigiu das pessoas a sua mais pura apatia, você deveria ser uma pedra para conseguir viver linearmente dentre tanto caos sem se desvirtuar, ou você lutava pela paz ou se juntava ao caos. Aqui as pessoas nascem dentro da violência, enfrentando perdas diárias e dor, poucas famílias usufruíram da dadiva de ter uma infância calma e carinhosa, eu não fui um desses sortudos, com certeza. Da minha infância não colhi muitas coisas além da cegueira total do meu olho esquerdo e algumas surras, as quais segundo meu ''bom'' pai foram mais que merecidas.

   O vigilante que vestia preto, diferente do que muitos pensavam, inclusive meu pai, era minha esperança de que um dia Gotham pudesse ver o sol de novo. A ideia de existir alguém disposto a sair por aí adentrando bueiros e becos infestados por delinquentes me deixava esperançoso. Sonhei por muitos anos de que um dia ele invadiria minha casa pela janela e daria uma boa surra em meu pai, pegaria eu e minha mãe nos braços e nos levaria para uma nova vida, onde nós poderíamos sorrir novamente. Eu preferia acreditar nesses devaneios, mas as probabilidades apontavam que as chances de isso acontecer seriam minimas, talvez nulas, afinal ele tinha coisas mais importantes para se preocupar.

   Enquanto o carro sacode por causa dos buracos da rua, eu apoio minha cabeça na janela, observo rapidamente os vultos das pessoas deixados para trás, as luzes dos postes dando reflexo nas poças d'água formadas no chão devido a chuva, iluminam a cidade de uma forma mais sinistra que o normal, no rádio toca uma música sobre um ''sol velho'' o que torna o passeio mais melancólico ainda.

   - Troca essa merda, Darla.

   Meu pai resmunga para minha mãe mudar a rádio, ela em instantes o obedece, mas antes mesmo de sintonizar uma nova rádio é interrompida por uma freada brusca, a qual me faz ir diretamente ao encontro do banco a frente, machucando meu rosto com o impacto repentino.

   - Filhos da puta! - Ele grita enquanto buzina sem parar.

   Me recomponho e levanto a cabeça, limpando o único olho pelo qual ainda podia enxergar, percebo uma fileira enorme de carros parados a nossa frente, juntamente com a buzina do meu pai começo a escutar mutias outras vindas dos carros travados na rua.

  - O que houve? - A mãe sussurra.

  - É isso que eu vou descobrir agora.

   Meu pai abre a porta do carro, logo pondo a mão em seu taco de baseball que se encontrava ao lado do banco, com o taco na mão ele sai e se dirige a frente do carro gritando com alguém.

   - Calma, vai ficar tudo bem. - Minha mãe diz olhando para trás tentando me acalmar.

   Eu sorrio para ela.

   Instantes depois um barulho de tiro cala todas as buzinas e vozes, por um curto espaço de tempo tudo que se pode ouvir é o eco do tiro se espalhando pelas ruas sujas da cidade. O olhar da minha mãe era de pavor, ela parecia ter medo de voltar a olhar para frente, talvez ela tivesse pensado o mesmo que eu, meu pai poderia ter sido a vitima do tiro.

   O silêncio se quebra com gritos e portas de carro batendo, rapidamente olho para o lado e vejo algumas pessoas correndo por dentre os carros.

   Em um impulso minha mãe tenta abrir a porta do carro para sair, mas sua porta é travada por uma mulher que estava fugindo.

   - Merda!

   Em seguida meu pai entra desesperado no carro, ele não estava morto.

   - Darla! vamos sair daqui!

   - Mas... o que houve?!

   - Cala a boca, só vamos sair daqui!

   Ela estava entrando em panico, enquanto ele não conseguia fazer o carro pegar, suas tentativas de girar a chave eram nulas, o carro morria em todas elas.

   - Merda, merda, merda! - Ele começa a socar o volante.

   Depois de um grito e uma respirada profunda, ele tenta novamente e o motor liga, na primeira tentativa de arrancar o carro ele bate no de trás, que até então não estava ali.

   - Porra! estamos presos, saiam do carro!

   De repente uma explosão, primeiro a luz forte, depois o barulho, a escuridão em seguida.

   Eu desmaio.

   Meus sentido vão voltando aos poucos, primeiramente minha audição, conseguia ouvir mutios gritos de agonia pela rua, tiros, carros batendo, sirenes e pedidos de ajuda.

   - Dave...- Reconheço como a voz da minha mãe.

   Meu olho se abre com dificuldade, olho para meus braços cheios de sangue escorrendo para o estofado do carro, o pavor e a dor vem logo em seguida. Dirijo meu olhar para a frente, onde vejo minha mãe olhando para mim com o rosto todo ensanguentado, logo a esquerda meu pai, ou o que deveria ser ele, sua cabeça havia sido explodida, jogando todos os destroços no teto e vidros quebrados do carro.

   - Não olhe, Isaac.- Minha mãe grita em meio ao choro, sua voz transbordava desespero.

   Eu sentia uma dor enorme no meu corpo, eu era incapaz de me mover dali, eu só queria fugir com minha mãe, e sair de perto do que estivesse acontecendo. Começo a chorar e soluçar instantaneamente.

   Lá fora, em meio ao caos começo a ouvir uma risada, meu corpo gela, minha pele se arrepia, a risada fica mais alta e em meio a ela os tiros também.

  Me jogo como se fosse um boneco de pano até a a janela e tento observar o que se aproximava. Logo a frente, avisto com dificuldade a silhueta de um homem, um homem pálido que vestia um terno banhado em sangue. 

  Próximo ao nosso carro ele estica sua mão e em um simples movimento atira contra o mesmo. O barulho foi alto e a gargalhada mais ainda, não tinha dúvidas do que havia acontecido, sem nenhuma coragem de olhar para o banco da frente continuo encostado rente a porta do carro esperando não ser notado.  Caminhando dentre o caos o homem se aproxima da minha porta, neste momento consigo ver claramente seu rosto, um sorriso rasgado de orelha á orelha, um cabelo preto esverdeado, o rosto estático e pálido, por mais que não desse pra definir o que ele estava sentindo devido as cicatrizes e sangue no rosto, sei que quando me olhou o seu sorriso duplicou. 

   Sem conseguir me mover fico apenas observando em desespero aquele demônio se aproximar do carro e abrir lentamente a porta do carro enquanto me olha diretamente nos olhos.

   - Um gatinho cego, está perdido, a mamãe e o papai o abandonaram? - Sua voz era tão estridente quanto sua risada.

   Aquilo me tira para fora do carro e me segura pelo capuz do casaco.

   - Olha só... - Ele me arrasta para a janela da frente do carro, ali avisto minha mãe, sem vida, com um buraco de bala na cabeça. - Mamãe foi na feira... - Ele ri, enquanto empurra minha cabeça contra o vidro do carro me forçando a ver o que restou do meu pai. - E papai foi trabalhar.

  Ele não parava de rir, meu corpo não respondia meus movimentos devido ao medo e a dor.

  Em um movimento brusco eu caio ao chão, minha visão vai se apagando novamente, mas consigo ver um homem esmurrando o demônio pálido. Vou forçando ficar acordando, enquanto vejo o homem dar múltiplos socos na criatura, se não fossem pelas vestes formais juraria que era o vigilante de Gotham.

  Quase apagando consigo ver de relance o rosto de meu salvador, era Bruce Wayne, Bruce Wayne acabara de salvar minha vida.

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⏰ Last updated: Feb 09, 2019 ⏰

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