Jonas, Jaíne e o templo

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Essa é a história de uma dupla que nunca foi boa em nada e por isso atravessavam o país de carro ganhando muito dinheiro.

O nome dele era Jonas e sua infância inteira foi ser o gordo que era último escolhido nas aulas de educação física. Ele era daqueles que suavam somente por respirar. Correr ou fazer qualquer esforço cansava muito, por isso, mais do que a metade da infância de Jonas foi ficar sentado com a bunda colada na carteira olhando para o lado de fora da janela enquanto todos os outros amigos faziam coisas que ele jamais conseguiria fazer.

O nome dela era Jaíne e, se não estivesse na mesma escola que o Jonas, diria que eram a mesma pessoa. Ela sempre foi desleixada com aparência, vivia cansada e não tinha interesse absolutamente em nada. O que faziam e falaram para ela a entediava a ponto dos seus pais pagarem a primeira década da sua vida em consultórios psiquiatras.

Jonas e Jaíne acabaram de atravessar mais um estado. Ele dirige o conversível com seus cabelos esvoaçantes e óculos levantados na cabeça. Ela, ao lado, canta a música tocada nas rádios enquanto conta as notas que ganharam no último trabalho, pouco se importando com aquelas que escapam e saem voando estrada afora para algum felizardo, daqueles que a gente não entende o porquê andam pela estrada, encontre e guarde na sua carteira.

Eles nunca foram bons em nada e, quando a gente fala que eles nunca foram bons em nada, é porque eles tentaram fazer de tudo. Mesmo que não tenha se esforçado de verdade.

Jonas saiu de casa muito cedo. Não porque ele foi morar em uma república para ficar mais perto da faculdade e completar seus estudos, e sim porque teve a sorte de ser aquele cara que todo mundo gostava sem precisar fazer esforço. Seus amigos também arranjaram um emprego em uma casa para morarem juntos. Não que essa fosse a melhor coisa do mundo, uma vez que Jonas não saia de casa e via seus amigos trazendo mulheres enquanto festejavam e pediam para que ele olhasse a janela e no primeiro sinal da polícia mandasse todo mundo ficar quieto. Era o guarda costa daqueles amigos e não se importava nem um pouco com isso. Já havia saído de casa, coisa que outros amigos mais magros e mais fortes não conseguiam fazer, mesmo parecendo ser mais bem sucedidos.

Jaíne se mudou, não porque quis, mas porque seus pais diziam que precisava de independência. Então eles pagaram um novo apartamento e também todas as contas. Ligavam diariamente dando sermão sobre arrumar um novo emprego, antes de dizer que o novo cartão de crédito estava liberado.

Jaíne mudava a cada mês. Um apartamento novo, um cartão de crédito novo com o limite ainda maior que o anterior. Seus pais diziam que ela deveria gastar com sabedoria, ser mais independente. Diziam que a senha era 9477 e tudo que Jaíne sentia era as cordas movimentando seus braços e suas pernas.

Param no posto mais próximo para abastecer. Jaine pergunta se ganhar dinheiro deveria ser algo mais difícil.

- Não até que a nossa geração deixe de viver na Terra. A nossa expectativa de vida bate quase os oitenta anos. Pense que na época medieval morríamos aos trinta. Com essa idade, a gente torcia para atingir o auge da nossa existência. Conquistas, relacionamentos, família. Tudo isso para morrer aos trinta anos. Hoje, é como se a gente, com trinta anos, parecesse ter quinze. Não muda muita coisa. Somos crianças barbudas e mais altas do que naquela época.

Jonas e Jaine se conheceram e firmaram esse acordo da maneira mais estranha possível.

Ele foi para academia, não para malhar e fazer uma dieta, mas porque um de seus amigos, que o usava para se parecer mais bonito ainda, pediu que Jonas levasse alguns suplementos e anabolizantes.

Jonas encontra uma mulher parecida com ele pedalando em um ritmo muito lento. Os dois olham para os instrutores e seus corpos esculturais com aquela beleza mentirosa. Todos a volta pareciam fazer o que eles queriam que fosse feito, mesmo não pedindo nada em troca.

Você até imaginaria que seus professores fossem um amor de pessoa, sorridentes, afáveis. Mas todos aqueles alunos ao redor pareciam os cultuar. Não a personalidade do professor e mito menos a inteligência da professora. Os alunos cultuavam seus deltoides, sues bíceps e suas panturrilhas. Cultuavam a maneira como faziam supino, levantamento terra e treinavam a dorsal.

Foi quando perceberam que os corpos eram um templo, como se fossem um Deus que dizia: reduza o carboidrato, aumente a proteína, faça supino e assim você terá a vida eterna.

Talvez Jonas tenha sido expulso da academia por tropeçar nos pés da Jaine, revelando todas as seringas de aplicação dadas por seu amigo. Talvez Jaine tenha sido expulsa por ter caído em cima de uma mulher treinando gêmeos, o que fez com que ela tenha estirado as panturrilhas. E, talvez, tenham sido expulsos aos gritos de vadias, otários, perdedores.

Apertaram as mãos e perceberam que teriam que ser, também, templos a serem cultuados. Dessa maneira, Jonas se livraria de todos os filhos da puta que o humilhavam e o submetiam por troca de um emprego de merda e uma cama para dormir. Jaine não precisaria se preocupar com os pais. Seriam eles que cultuariam o templo que ela se formou, obedeceriam a ela e, quem sabe, seria Jaine que entregaria os cartões de crédito com todas as senhas e cordões manipulando as pernas e braços dos pais.

O conversível demorou para engatar e tinham pouco tempo até a próxima apresentação. Eles não trabalhavam juntos, mas faziam praticamente a mesma coisa. Precisavam de um espaço e uma webcam para que seus templos fossem cultuados. Nunca foram bons em nada e por isso era tão importante que o dono da próxima cidade não tenha cancelado a apresentação do Jonas. Ele estaria com sua sunga fio dental, com braços torneados e abdômen definido se equilibrando no pole dance.

Jaine preferia algo mais prático, então acessava a webcam. As pessoas entravam em seu site e acompanhavam suas lives. Pessoas dispostas a vê-la fazer alguma coisa em troca de dinheiro. Barra fixa, supino, flexões, strip-tease e mostrar todos os ângulos possíveis do seu corpo.

No começo de tudo, Jonas sabia que seu corpo era diferente de noventa porcento da população. Era um Davi. Todas as mulheres abaixo dele gritavam, estendiam as mãos tentando encostar em suas coxas. Era cultuado em despedidas de solteiras e apresentações para a terceira idade. Ao descer do palco e se juntar com as mortais, elas gritavam excitadas e ele se sentia um verdadeiro templo. Era um zero a esquerda, não fazia absolutamente nada da vida e tudo que queria era juntar dinheiro para nunca mais ter que depender de otários aproveitadores e as mulheres colocavam notas na sunga fio dental. Sorria, agradecia e voltava para o palco. Ninguém precisava do Jonas, mas cultuavam toda a definição do seu tríceps e trapézio.

Jaine nunca fez nada de importante na vida a não ser mostrar o templo que esculpiu durante os anos. Suas curvas simétricas e você não via nenhuma linha de expressão. Era como se ela tivesse subido na montanha e bebido a água sagrada, se convertendo a algo muito maior do que pensou que seria. Então ela mandava beijos para quem nunca viu na vida, dizia para fazer flexões e, sempre que pediam para tirar as calças, ela cobrava o triplo para que pudessem ter um pouco mais daquele templo a ser cultuado.

Ela tinha um dos maiores fã-clubes da internet, milhares de comentários dizendo como ela era carismática, simpática, inspiradora, mesmo que não tenha conversado com ninguém. Essas pessoas também não falavam com Jaíne. Seus patrocinadores não pagavam por lives de seus produtos para ela. Todos viam somente o templo que ela construiu e que cultuavam cegamente.

Seus pais mandaram um novo cartão de crédito com a senha 7945 para desbloqueio, ela devolveu o cartão quebrado dizendo para que eles sejam livres e independentes dela.

Quando finalmente chegam na cidade, todos se tornavam solícitos. Confiavam a primeira vista e faziam exatamente o que eles pediam. As pessoas davam boas vindas, prometiam desconto para arrumar o conversível e aquela adoração pelos antebraços, glúteos e peitorais criavam novos seguidores.

Jonas e Jaíne saíram da cidade, logo após o show e a live. Conferem as notas e acessam suas contas bancárias. Vão embora e todas aquelas pessoas os acompanham até a fronteira da cidade, emocionadas, extasiadas, mesmo sabendo que eles nem sequer vão lembra-los na próxima meia hora.

Essas pessoas não poderiam estar mais certas disso.

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