Capítulo 2

23 1 0
                                    

Fico aliviado quando chego em casa e finalmente posso tirar proveito do meu PS4 PRO recém-adquirido.  Comprei The Last of Us II por um preço exorbitante a ponto de me causar arrependimentos. Ligo o som no último volume e me esqueço da existência do mundo.



 - Querido, cheguei -- anuncia minha mãe, do andar de baixo.

Não me dou ao trabalho de responder. Alguns chamam isso de indiferença. Eu não diria isso, considerando que a trato bem em outras ocasiões. Só não estou muito bem hoje... ou quase sempre. 

Pelo visto, minha mãe percebe meu estado de espírito, pois pouco tempo depois ouço suas batidas na minha porta. Não digo nada, o que ela considera como uma permissão para entrar. 

- Está tudo bem? - Seu tom de voz doce quase me motiva a responder, mas apenas balanço a cabeça que sim.

Como se ela fosse se contentar com isso.

- Mesmo? - ela insiste.

- Sim mãe, não é nada, relaxa - digo, fitando o vazio.

- Você me lembra muito seu pai sabia? E um pouco a mim, é claro - ela faz uma pausa - Por mais que achássemos que a vida fosse ruim, não falávamos dessas coisas para outros, especialmente com nossos pais. Drama de adolescente, você vai ver que passa. Mas só uma dica - ela se levanta e afaga meu cabelo antes de sair - escreva o que sente. Vai por mim, ajuda mesmo. 

- Tá, obrigada - respondo, reprimindo um "que seja".  Melhor ser educado. 

Escrever sentimentos parece ser uma coisa boba pra mim. Porque não é como se eu realmente sentisse alguma coisa, acho que o problema é justamente esse: não sentir nada. É a droga da depressão. Por mais que eu faça tratamento, os anti-depressivos parecem apenas piorar tudo. Digamos que o fato de não ser simplesmente uma pessoa alegre e normal já não é lá muito reconfortante. 

Mesmo assim, decido tentar. Procuro um caderno preto que minha mãe me deu no passado dizendo que "era muito especial". É realmente um caderno interessante, mas nunca tinha pensado em realmente usá-lo. Suas folhas amarelas me desafiam a escrever a primeira palavra. 

Um gritante silêncio 

e uma clara escuridão 

invadem minha mente

 e envolvem meu coração


A liberdade é a prisão

que ilude e escraviza

O mundo pressiona e pressiona

to me cansando dessa vida


A frieza tomou conta da minha alma

me tornando refém de mim

A confusão suga minha calma

Por que tudo é assim?


Decido parar por aí. Uma pergunta sem resposta. Afinal, a vida é mesmo um eterno ponto de interrogação.


3h17. O sono se vai com a mesma facilidade com que veio. Já é a terceira vez essa semana.

Em um "momento autista", fico com os olhos estatelados, fixos no teto. Quando saio do transe, procuro meu celular, tateando embaixo do travesseiro. Conecto os fones de ouvido e ligo a música em um volume confortável. Um pouco entediado na cama, caminho até a janela e a abro. 

O ar gelado bate em meu rosto, me causando um leve arrepio. De longe, é possível ouvir uma sirene de polícia. Apesar do horário, um tintilar de garrafas se quebrando corta o silêncio da noite. Provavelmente mais um bêbado passando dos limites. Olho para o céu e me surpreendo ao conseguir ver estrelas. Sem comparações com Nova York, mas Chicago não é lá a cidade mais limpa da América.

Identifico a constelação de Órion, a única que aprendi a reconhecer, enquanto ainda era criança. A música que toca em meus ouvidos faz o momento ficar ainda melhor.

"Who cares if one more light goes out?

In the sky of a million stars

It flickers, flickers

Who cares when someone's time runs out?

If a moment is all we are


Or quicker, quicker

Who cares if one more light goes out?

Well, I do"


Uma verdade que nunca irá mudar: a música sempre acha um modo de expressar o que sentimos mas não conseguimos dizer. Outra verdade: Linkin Park é uma banda mestre em fazer isso. 


Vidas CruzadasOnde histórias criam vida. Descubra agora