O que é zumbi?
Possíveis definições aparecem em tela.
- Vai tomar no cu, porra! Tem outra definição? - Durante meia hora o menino pesquisou na internet - O que porra é esses zumbis, meu Deus do céu?
- O que é que tu tá xingando aí, menino?
- Mãe, o que são esses zumbis que o meu pai trabalha?
- São gente doente, não? Moribundos, sei lá.
- Achei que fosse algum tipo de animal, mas fica difícil achar na internet, só tem coisa sobre zumbi morto-vivo, e o Zumbi dos Palmares.
- Só sei que tu vai ter um emprego. E se não aceitar, sai daqui e vai morar com teu pai, que eu não aguento mais não.
Aldo havia sido ameaçado pela mãe de ser expulso de casa se não conseguisse um emprego. O rapaz de 18 anos teve que recorrer ao pai, com quem não tem uma boa relação por conta da ausência. Seu pai por sua vez, mesmo não sendo um exemplo paterno, quis fingir que era, e trabalhar ao lado do filho seria uma chance de mostrar às pessoas um lado que ele não tinha.
João Ícaro de Melo Rego era daqueles homens de meia idade, que vivem repetindo a mesma história a toda gente azarada com quem tem uma conversa. Seu primeiro nome viera de seu pai, que acreditava ter recebido o nome do pai de Jesus, mas ninguém tinha a boa vontade de dizer que a informação era falsa. Seu segundo nome viera da canção Sonho de Ícaro, do cantor Biafra, música favorita de seu pai, a qual João sempre cantava um trecho, para o azar de quem o ouvisse. Era um homem muito chato, mas não fazia mal a ninguém. E nem seria competente para isso.
"Meu filho vai vir trabalhar aqui!" Era a nova história que passou a contar. "Ele tem um filho?" Era o que as pessoas se perguntavam. O pobre Aldo José de Melo Rego, que havia recebido o nome do professor favorito do pai, e do construtor da arca (seu pai achava que Noé havia aberto o Mar Vermelho), não fazia ideia do que esperar do primeiro emprego. Tanto ele quanto sua mãe se sustentavam de uma junção da pensão alimentícia do pai, e da aposentadoria de seu avô materno, que já havia morrido a alguns anos, mas sua mãe não registrou óbito. Era uma boa renda garantida mensalmente, por isso, Aldo não precisou ser mimado para crescer um jovem boçal, mal educado, mesquinho e egoísta.
Sua mãe conseguia realizar a proeza de ser ausente mesmo sem nunca sair de casa. O que para a tristeza do ministério da saúde, enchia o apartamento fechado com fumaça de cigarro. Aldo nunca desenvolveu doenças por conta da mãe, mas não conseguia se manter cheiroso. E apesar de não fumar, todos os seus amigos eram fumantes. Aqueles que não eram habituados a fumaça de cigarro, não se aproximavam dele.
Nunca foi de pensar no que seria quando crescesse. E nem alimentava sonhos ou esperanças. Foi deixando a vida o levar até seus quatorze anos de idade e acreditava que, provavelmente, iria continuar assim. É por isso que não o assustava a ideia de morrer de repente, em um acidente ou coisa parecida. Mas quando escreveu isso na sua aula de redação, ganhou uma bela bronca do professor.
"Que pirralho otário da porra", pensava o professor.
Então para que o aluno parasse de escrever "merda" nas redações, o professor Vin Diesel (esse era de fato o nome de batismo), o direcionou a psicóloga da escola, a famosa "Kátia Surda", como era conhecida pelos estudantes. Kátia não tinha problemas de audição, mas por trabalhar bêbada algumas vezes, acabava não entendendo o que as pessoas diziam. No atendimento ao menino Aldo, ela tentou entender como funcionava sua mente diante da vida e da sociedade. Após uma conversa não muito longa sobre família e colegas, Kátia concluiu que o garoto não enfrenta nenhum transtorno e nem precisava de tratamento psicológico. Era apenas um adolescente anti-social chato. A psicóloga continuou marcando consultas a pedido do professor careca, para evitar que essa característica "besta" de adolescente não se tornasse um problema grave no futuro. Mas no ano seguinte Kátia foi demitida.
Quatro anos depois, o moço recém-adulto se perguntava - Como assim um estágio? Eu nem sou estudante, e nem sou de menor. E não tem que tá fazendo curso pra ser estagiário?
- Teu pai conseguiu o negócio pra tu, e tu vai. Inventar desculpa é coisa de malagradecido - sua mãe acendeu um cigarro. O rapaz se aprontava para sair.
- Painho ainda não mandou mensagem?
- Não, mas vai logo pra não atrasar.
- Mas se eu nem sei onde é...
- Vô ligar pro teu pai - pegou o telefone, com a mesma mão que segurava o cigarro, e pôs no ouvido - tá chamando.
Aldo de perguntava por que ela não segurava o cigarro com uma mão, e o telefone com a outra.
"Tá", foi sua única palavra numa conversa de 3 segundos. Desligou o telefone. "O que ele disse?" Perguntou o jovem.
- "Aqui é ruim de falar, vou te mandar um zap".
Esperaram alguns instantes até o celular assobiar.
"É ele?" Perguntou novamente a mãe que pegava o celular com a mão do cigarro.
- Não. É tua tia mandando bom dia. Deixa eu responder aqui... "Amém, abençoada! Para você também" - a mensagem continha um "bora beber cerveja hoje", mas essa parte não foi mencionada.
Esperaram mais alguns instantes. O telefone voltou a assobiar. "É ele?" O rapaz voltava a perguntar. A mãe respondeu que não. Demorou um pouco lendo a mensagem que havia recebido.
- É uma mulher dizendo que vai esperar tu no terminal PJ.
- Deu uma moléstia! É muito longe, mainha.
- Realmente - concordou a mãe levemente espantada balançando a cabeça - Mas você vai!
- Qual o ônibus que pega?
- Tu pega a van pra Ponte dos Carvalhos, desce na BR, pega um ônibus pra integração do Cabo, pega o T.I Cabo PJ, desce no terminal do PJ.
- Sangue de potó! A moça vai me esperar de que horas? Me empresta seu celular?
- Eu vou passar o dia todo sem telefone não! Eu sei lá a hora que tu volta. E tu chega lá, a moça vai tá te esperando. Vai logo pra ela não morrer de mofar lá. E pede pro teu pai comprar um celular pra tu. Vai logo. Leva meu cartão.
O rapaz pega o cartão, pede sua bênção, e vai embora.
E pela primeira vez em muito tempo, Estrela Maria Telles abriu a janela. E enquanto o vento entrava na casa e levava a fumaça embora, ela pedia a Deus que protegesse seu filho, para que ele não fosse assaltado novamente e perdesse seu cartão de crédito.
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Mesmo Apocalipse de Sempre
HumorO pai de Aldo consegue um estágio para ele. Tudo o que Aldo sabe é que seu pai trabalha com "zumbis", mas não tem muita certeza do que isso quer dizer.