DIA 37

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Cometi um erro muito grande e não consigo mudá-lo. Agora a minha situação é muito pior. A noite passada, quando a polícia veio, agi de boa vontade, obediente. Queria que um deles me
escolhesse. Por dentro contraía-me enquanto punha os braços em volta deles e os namoriscava como se os quisesse. Namoriscava! Para mim, essa palavra significa que sou livre de fazer o que quero. Um dos polícias mais novos, que nunca tinha visto, não me conseguiu resistir. Foi fácil levá-lo para o
quarto. Eu estava a fazer jogo. Sexy, provocadora. Mas perto, no canto do meu quarto, estava a minha mala, pronta e à espera. Despi-o lentamente enquanto ele lambia os lábios a antecipar o que estava para vir. Desabotoei-lhe a camisa e atirei-a para a cadeira que estava perto. Foi fácil desapertar-lhe o cinto com a arma e algemas e pendurá-lo sobre uma cadeira próxima. Por uma vez, era eu que mandava. Ele deixou-me algemar os braços ao poste de metal da cama enquanto lhe despia as calças,
insinuando o que estava para vir – algo pervertido. Durante este tempo todo andei a pensar como conseguir chegar até à Liliana. Sabia que não tinha muito tempo. Tinha que aproveitar bem. Tapei-lhe os olhos com um cachecol preto e disse-lhe que tinha uma surpresa para ele. Que ele tinha
que ser paciente e esperar mais uns minutos. E enquanto lhe pegava na pistola e me escondia na casa de banho, vestia rapidamente umas calças de ganga, uma T-shirt e uns sapatos rasos. Saí sorrateiramente do meu quarto e tranquei a porta pelo lado de fora. O corredor estava livre e eu
percorri-o e desci as escadas, empunhando a arma. Sabia que o Violador estaria na cozinha a jogar às cartas com os outros guardas. Tinha que tentar
passar pela área de estar até à porta principal antes que dessem conta do que estava a acontecer. Rezei para conseguir fugir. Enquanto passava à pressa pela área de estar, estavam lá duas raparigas a conversar. Olharam para
cima, surpreendidas, quando passei por elas a correr, segurei no manípulo da porta e rodei-o. A porta abriu. Nunca um som me deu tanta felicidade. Caí no escuro da noite, a correr tão depressa quanto as minhas pernas conseguiam antes que se
dessem conta do que acontecera. A noite escura passava por mim enquanto me aventurava pelas ruas desconhecidas. Eram cerca das
cinco da manhã. Não sabia para onde ia, apenas que tinha que fugir o mais longe possível. Estava constantemente à espera de sentir uma mão a agarrar-me o ombro e a puxar-me para trás, por
isso nem me atrevia a olhar para trás nem a abrandar. Passei a correr por bares, lojas, casas e apartamentos até me doer o peito e já não conseguir respirar.
Passei por homens na rua que voltavam a cara e ficavam a olhar para mim, mas eu não parava. E se fossem amigos daquela gente? Encontrei uma viela por detrás de um edifício e agachei-me nas sombras escuras. Limpei as
impressões digitais da arma com a minha T-shirt e atirei-a para trás de uma pilha de lixo putrefeito. O meu plano era esperar ali até recuperar o fôlego, para depois tentar encontrar a Embaixada da Moldávia. Ía para casa. Quando a minha respiração começou a ficar mais lenta, dei conta do que tinha acontecido e comecei a
tremer descontroladamente. A minha T-shirt estava ensopada em suor e as minhas calças de ganga coladas às pernas. Tinha
perdido um dos sapatos enquanto corria e só então dei conta do sangue que escorria dos cortes que tinha na sola do pé. Tinha escapado, mas o que fariam eles agora? Tentariam encontrar-me? Como me encontrariam nesta
cidade enorme? Tentariam encontrar a Liliana? Certamente que não a iriam conseguir roubar do orfanato. Haveria adultos sempre presentes para supervisionar as crianças. Não sabia como encontrar a Embaixada ou o Consulado. Não tinha dinheiro para o autocarro. Será
que um estranho me poderia ajudar? Respirei bem fundo, tragando por oxigénio para me acalmar, e caminhei hesitantemente de volta para
a rua, olhando para cima e para baixo. Precisava de encontrar uma mulher ou um casal que me ajudasse. Mais à frente havia um bar. Talvez houvesse lá alguém. Ninguém no bar falava inglês. Olhavam-me de modo estranho e encolhiam os ombros. Deviam acharme desgrenhada e estranha. Continuei rua acima até chegar a uma pequena loja. Havia uma mulher a abri-la e a empilhar jornais
cá fora. Até que enfim alguém que talvez me possa ajudar. Tentei explicar que queria ir até à Embaixada, mas ela não compreendia o que eu estava a dizer.
Enquanto cambaleava pela rua, um taxista chamou-me. ‘Não tenho dinheiro’, chorei. ‘Mas preciso ir até à Embaixada da Moldávia. Pode ajudar-me?’
Supliquei.
Não queria entrar num carro com este homem, mas que mais poderia fazer? ‘Não há dinheiro, não há táxi’, disse ele, voltando a ler o jornal. ‘Então pode indicar-me o caminho?’, choraminguei.
Muito relutante, pousou o jornal. ‘Não existe Embaixada’, disse ele, ‘só um Consulado’. Deu-me as
indicações e disse-me que não era longe. Agarrei no peito com força e despachei-me a descer a rua. O sol estava a nascer quando vi o edifício do Consulado à minha frente e, pela primeira vez desde
que fugi, permiti que um grande sorriso me atravessasse a cara. Pensei que ainda não estivesse aberto, mas planeei em esperar nalgum sítio perto de onde me pudesse esconder até que abrisse. Na minha cabeça já estava a brincar novamente com a minha filha. Estava a fazer-lhe cócegas nos pés
enquanto ela se ria descontroladamente. Estava a ler-lhe uma história antes de dormir e a aconchegar-lhe a roupa da cama. Andava de mãos dadas com ela pelo mercado. Estava tão embrenhada a sonhar acordada que não ouvi um carro a parar lentamente atrás de mim.
Não ouvi os passos nem vi a sombra no pavimento a aproximar-se... até ser tarde demais. O Violador agarrou-me e arrastou-me, a dar pontapés e a gritar, para dentro do carro. Arrisquei-me a fugir e não deu certo. Aquela decisão irá assombrar-me para sempre.

TRAFICADA : Sibel Hodge  (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora