TUM!
Ouve-se um grave e potente barulho da janela ao vir de encontro com a moldura da mesma após receber uma forte rajada de vento na fria noite de inverno.
Um homem de grande porte, sisudo, usando um traje formal (todas essas coisas em conjunto denunciavam que ele exercia a função de advogado) estica suas mãos em direção a mesa de vidro temperado, e fazendo uma força contrária ao móvel, afastava sua cadeira de couro da mesma, permitindo que ele se levante tranquilamente. O barulho de seu sapato social em contato com o chão do escritório ecoava no recinto inteiro, que, além do advogado, não abrigava mais ninguém. Will, num ligeiro gesto, gira a tranca da janela que segundos atrás batera. Agora sim. Agora o cômodo estava completamente fechado.
Um rápido e estranho pique de luz irrita ainda mais o advogado. Voltando-se para a direção de seu Mac, o homem caminha em direção a ele em passos largos, e rapidamente desconecta a maçã de seja lá qual cabo estivesse ligado a ela. Tirando também suas coisas da mesa, ele se dirige para a porta de seu escritório. Girar a maçaneta naquele instante se torna uma tarefa muito complicada, afinal, carregar consigo todos os seus utensílios diários era necessário, mas não o ajudava muito. Ao tentar equilibrar tantos objetos em uma mão enquanto utiliza a outra para girar a maçaneta, a maleta de Will acaba caindo no chão. Erguendo seus olhos para o teto e soltando um início de palavrão, o homem tenta se controlar respirando calmamente. Seus joelhos estalavam enquanto se agachava para recolher os itens que, com a queda da maleta, se espalharam pelo chão.
Puxando apressadamente toda aquela papelada, uma foto Polaroid prende a atenção de Will. Uma garotinha extremamente pálida, dos olhos castanhos, cativantes porém fundos, trajando um curto vestido florido ao lado de uma mulher morena, dos cabelos negros e perfeitamente cacheados, com um sorriso encantador. Sua mulher e sua filhinha. Ele não as via a no mínimo 6 meses, o período em que ele aceitou uma proposta de emprego em outro estado. A felicidade de vê-las mais um vez, nem que por uma foto, era estonteante. Guardando a fotografia no bolso de seu paletó acinzentado, Will termina de recolher os documentos e finalmente consegue abrir a porta do escritório.
Já com a chave do seu carro em mãos, o rapaz abre a porta da casa onde se localiza seu escritório. O sininho acima da frágil porta toca, mas dessa vez, não indica a chegada de ninguém.
A neve esbranquiçada se camufla em meio a seus cabelos loiros, porém se destacava em seu paletó enquanto Will girava a chave para trancar a porta de entrada do escritório. Em seguida, os faróis do carro preto piscam duas vezes, mostrando que o veículo está destrancado. Correndo para atravessar a deserta rua, o advogado toma cuidado para não escorregar sobre a fina camada de cristais de gelo que começam a cobrir o asfalto. Abrindo a porta do imponente veículo e se ajustando dentro do mesmo, o homem deixa a maleta e suas coisas no banco do passageiro e coloca a chave na ignição. Ao girar a mesma, ouve-se um grande barulho do conhecido "ronco", revelando que o carro era realmente de grande potência. Antes de começar a dirigir, o rapaz desbloqueia seu smartphone e abre o aplicativo de reprodução de músicas. Passando por suas playlits, acaba escolhendo a favorita de sua filha, "Beliver" do Imagine Dragons.- Vamos lá! - conclui o homem ao começar a escutar a música, e simultaneamente, acelerar o carro.
Enquanto isso...
Numa isolada cabana no meio da floresta de pinheiros, há apenas uma luz acesa. O que parecia ser o som de um piano se fundia com o poderoso latido de um cão.
Fazendo passos de uma dança clássica, Noah se aproxima do agitado Pastor Alemão, sua única companhia naquela grande vida solitária. O som da música quase que forçava o jovem a se movimentar. Seu ritmo lento e sua melodia doce poderia acalmar a todos, exceto ao animal, que nem por um segundo parava de latir, mostrando um tipo de uma indignação com o volume, talvez. Até porque, por mais que servisse como uma seção de terapia para Noah, certamente incomodava a sensível audição do animal.
Após terminar sua desinteressante dança, achega sua mão esquerda sobre sua barriga, cruza as pernas e se reclina com o braço direito estendido, em sinal de agradecimento, como se tivesse feito uma elegante e fascinante apresentação para uma platéia que o aplaudia de pé. Porém, o latido do animal quebrava o clímax criado na imaginação do garoto. Noah então, se ajoelha bem perto do animal e o acaricia rapidamente para acalmar o bixano. Ergue o olhar para o armário que ficava ali perto. Sobre ele, havia um pacote de petiscos para animais domésticos de médio porte. Aquilo era uma das únicas coisas que acalmava o cão. Tendo isso em mente, ele se levanta e segue até o armário, pegando do pacote, dois petiscos; um guardara no bolso da espessa calça de moletom de cor escura, em seguida, flexiona um pouco os joelhos e cata o outro aperitivo canino, coloca sobre o focinho do animal e conta regressivamente: " Fica..
Fica... Três... Dois... Um... Vai!". Concluía com um gesto ligeiro de sua mão com o indicador levantado, mostrando ao animal que agora sim ele podia se alimentar. Funcionou, como sempre. Agora que a música já acabara e que não mais há o incômodo do estridente "grito" da raça alemã, o silêncio ressoava sobre toda a cabana. Se levantando mais uma vez, Noah vai até uma mesa de canto onde se encontrava o lampião que iluminava todo o cômodo e toma ele para si. Andando para a sala de estar, o rapaz ergue seu braço para tentar fazer com que a luz que saia do objeto, clareaçe o mais longe possível. A sua direita, estava uma televisão de tubo, televisão a qual não funcionava a bastante tempo. Em cima da mesma, estavam alguns livros velhos, de páginas já até amareladas. Ali! Era um ótimo lugar para deixar o fornecedor de luz. A neve já cobria grande parte dos Pinheiros e do gramado que cercava a casinha de madeira. Noah se acomodava no sofá ali próximo. Fixava seu olhar no antigo relógio analógico, que estava na parede ao lado da TV. O movimento repetido do ponteiro que marcava os segundos hipnotizava o menino cada vez mais, porém, ele precisava sair na hora exata para ocorrer tudo como havia planejado. Na sua frente, havia uma mesa de centro com um caderninho e algumas canetas. O jovem se levanta do sofá e se assenta com as pernas cruzadas de frente a mesinha. Pegando uma caneta com a mão direita, balança a mesma entre os dedos indicador e polegar. Com a outra mão abre o caderno onde o marca página estava. Todas aquelas palavras e linhas em todas as direções juntas eram de confundir a qualquer um: " Will Milborne ---- Filha e Esposa ---- 6 meses fora"
"Escritório 20:25 ---- carro e escolher música +2 min ---- tempo previsto no percurso +10 min (com neve +3 min)"Exatamente 20:30, marca o relógio. Noah calmamente se levanta, e apanha seu aparelho de MP3 e seu fone de ouvido. O som de um violino de Acero começa a tocar em seus ouvidos. Pega também a coleira e coloca sobre o pescoço do animal que estava reclinado em um canto qualquer do imóvel. Se agasalha com um casaco de malha bem espesso e enrola seu pescoço em um cachecol de lã. Dando uma profunda e lenta respirada, Noah abre a porta da cabana e põe o corpo para fora, tendo um pequeno calafrio ao sentir a gélida brisa que constantemente batia em seu corpo. Junto com seu cão, começa a correr para o sul, em direção a única estrada que havia ali.
Alguns minutos depois...
É ali. A estrada estava a cerca de 15 metros do garoto e seu cão. Noah arrancava um "espinho" de ferro da coleira do pastor alemão e colocava dentro da manga de seu casaco. Na outra manga, o rapaz recolhe o agasalho deixando seu braço para fora. Mais uma lenta respirada, o menino abre a boca do cão e coloca seu pulso dentro da mesma. "Isso vai doer mais em mim do que em você!"- exclamou Noah antes de realizar o ato. Fazendo força no focinho do animal para baixo, ele sentia sua pele ser perfurada pelos afiadíssimos dentes do cão. O sangue, vermelho e vivo, começa a escorrer pelo braço do jovem, que percebe que já fez o suficiente. O cachorro chorava.
- Bom trabalho amigão, mas está na hora!
Afirma Noah espalhando o líquido por todo o seu braço. O espaçamento entre os dois furos "causados" pelo animal era de cerca de 6 cm. Vendo uma luz ao longe da estrada, ele corre para o meio dela e deita com o corpo retorcido e com o braço a mostra. Seu cão voltara a latir como sinal de preocupação.
Enquanto isso...
Will já estava na metade do caminho. Dirigindo por cerca de 12 minutos, por conta da neve, ele tivera que reduzir um pouco a velocidade para evitar eventuais acidentes. Mas num ato de extremo reflexo, o advogado pisa no freio desesperadamente ao ver que logo a sua frente havia um jovem, moreno de cabelos não muito escuros, por volta de 20 e poucos anos, estava deitado com o braço ensanguentado ao chão. No canto da estrada, um animal latia incessantemente. Will tira rapidamente seu cinto de segurança e abre a porta do seu carro, correndo para tentar socorrer o jovem. Ali, ajoelhado ao lado do menino, tentava escutar o que ele sussurrava. Chegava cada vez mais perto de sua boca, até que em um certo ponto, consegue ouvir com clareza as palavras: "eu não sinto por isso." Neste instante, o jovem ergue sua mão esquerda e agarra o pescoço de Will, enquanto utiliza algo para perfurar o ponto exato onde se localiza a carótida. Seu sangue começa a jorrar, afinal, a adrenalina de ver alguém sangrando no chão de uma estrada aumenta o fluxo sanguíneo. E esse fato fez com que o líquido de cor vinho caísse no rosto do garoto deitado no chão. Will tentava levar suas mãos para tampar a ferida, mas não adiantava, pois o garoto ao chão o prendia.
A expressão facial do advogado deixava explícita uma coisa: a agonia que ele sentia era imensurável. Porém, não conseguia gritar, e mesmo que conseguisse, ele não receberia ajuda de ninguém.
Will Milborne cai morto ao lado do jovem. O corpo do advogado estava pálido como a neve que caia naquele instante.Enquanto isso...
Aquele líquido espesso e quente caia sobre o rosto de Noah. Ele permanece parado até que sua vítima caia ao seu lado. Quando isso finalmente acontece, o garoto mede cerca de 4 dedos ao lado do furo que havia feito no pescoço de Will, e enfia mais uma vez o espinho da coleira no corpo do advogado e coloca seu braço em cima da marca dos furos. Era exatamente a mesma distância em ambos os casos.
Noah se levanta e chama o cachorro que uivava por todo aquele tempo. Tira de seu bolso o petisco que havia guardado anteriormente e coloca na boca do animal, após limpar seu sangue do dente do mesmo. O bixano come tranquilamente, até que Noah desfere um golpe fatal na região do pescoço do cão, que agonizando, cai no chão ao lado de Milborne. Após limpar suas digitais da arma do crime e a colocar nas mãos do advogado, a cena do crime estava montada: um cachorro parado no meio da estrada, fez o advogado parar seu carro, quando o homem foi descer do veículo para tirar o animal do caminho, ele é atacado com uma mordida bem no pescoço, na altura da carótida. Como ato de defesa, ainda tentando se livrar, Will arranca um dos espinhos da coleira do cão e crava o mesmo em seu pescoço, lacerando a traquéia do cão. Ambos morreram no local. E Noah, caminha de volta para seu chalé, ainda ouvindo o esplêndido som do violino em seu fone de ouvido.
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Sangue Frio
Mystery / ThrillerNoah, um homem que vive afastado de tudo e todos, e que não aceita fazer seu serviço de qualquer forma. Sua profissão? Matar! Escrever seus trabalhos concluídos em um livreco é seu hobby. Descobrir o que o fez ser um assassino é que é o real mistér...