Acho que minha mãe iria gostar se eu fosse um pouco mais cuidadoso ao andar de skate. Olho para baixo e descubro que ganhei mais uma calça rasgada. Ótimo. Tento descer a rampa novamente. Dois meses de prática já devia ser o suficiente para pelo menos para evitar algumas quedas, mas não no meu caso.
Desisto.
O caminho para a casa é curto. Poucas pessoas cruzam meu caminho, o que é um pouco estranho para uma quarta-feira. Apesar do frio, vou direto para o chuveiro ao chegar em casa. A preguiça me carrega para o sofá e ligo a TV. Começo a assistir Two and a Half Man, a série que, pra mim, definitivamente a melhor da TV americana, mesmo que sua última temporada tenha sido lançada em 2012. Gostos estranhos, no mínimo.
Acabo cochilando no sofá. Acordo com o telefone tocando. Atendo pouco antes de minha mãe desligar.
- Oi mãe. Algum problema? - digamos que não é muito normal ela me ligar no meio do expediente, o que me deixou um pouco preocupado.
- Tudo bem por aqui filho. Só estou ligando pra avisar que vou chegar um pouco mais tarde em casa hoje, não se preocupe - ela faz uma pausa - Filho, preciso ir, tenho um paciente. Se cuida, te amo.
Ela desliga antes que eu consiga responder. Ficar até mais tarde no trabalho já se tornou uma rotina. Desde que começou a trabalhar como psicóloga em um hospital comunitário, ela quase nunca fica em casa. Muita hora extra. O seu altruísmo a faz querer ajudar a todos, o que é incrível. Sobre o salário... não é lá aquelas coisas, mas paga as contas.
Começo a jogar Final Fantasy, mas logo fico com sono. Falta pouco para começarmos um novo dia, 23h52. Lembrar que tenho aula amanhã me cansa o suficiente para me dar vontade de ir dormir. Perdido em um mar de pensamentos aleatórios, pego no sono.
A vida parece ser monótona demais as vezes. Sei que depende de cada um escolher como vai viver a vida, se ela será emocionante ou não. Porém me sinto acomodado demais. Não procuro fazer coisas novas, mesmo sabendo que deveria. Admito que as vezes sinto falta de algo diferente, mas não faço nada em relação a isso.
Tenho o privilégio de morar perto da escola, o que torna meu trajeto mais tranquilo e seguro, não que isso signifique alguma coisa. Sempre acordo cedo para sair atrasado com mais calma. As pessoas deviam experimentar o prazer disso.
Tão entediante como minha vida, a aula de física claramente não serve para melhorar meu dia. Aurora está quieta, surpreendentemente prestando atenção no que o professor barbudo e com sotaque diferente diz.
Para me ocupar, começo a fazer um desenho na capa do caderno. Mesmo que não fiquem bons, amo desenhar animes. Começo a esboçar Sasuke e Sakura, só porque fazem parte do melhor anime desse mundo, Naruto. Essa é uma falha tentativa de tentar fazer o tempo passar mais rápido.
As horas se arrastam até o intervalo. Como sempre, ligo a música no último volume e caminho em direção a 'minha' árvore. A grama ainda está meio molhada, as gotículas de água refletidas sob a luz do sol. Mesmo sabendo que eu vá sujar minha roupa, me sento. Fecho os olhos e inspiro profundamente. O sol atravessa minhas pálpebras, me fazendo enxergar um tom único de laranja-avermelhado.
Abro os olhos assim que uma sombra preta preenche minha visão. Aurora está parada a uma distância suficientemente desconfortável do meu rosto. Desvio meu olhar de seus grandes olhos escuros e a olho de cima abaixo, provavelmente com um ponto de interrogação claro no meu olhar.
- Como você consegue ficar tão isolado? - seu tom de voz agudo quase chega a ser irritante.
- Talvez esse seja o meu jeito - respondo, quase sendo grosso.
Ao contrário do que pensei que faria, Aurora forra a grama com a blusa e se senta ao meu lado. Ela me olha como se estivesse dizendo "você não vai se livrar de mim tão fácil". Reviro os olhos e dou um sorriso ao perceber sua expressão. Nunca gostei de companhia, mas a dela parece não me irritar tanto.
- Conte-me mais sobre você Oliver - ela diz, enfatizando meu nome exageradamente (de novo).
Ela só pode estar brincando.
- Não tem muito o que dizer Aurora - faço a mesma coisa ao pronunciar seu nome, e ela ri ao perceber minha imitação barata.
- Vamos lá, tem que ter alguma coisa - ela faz uma pausa longa, como se estivesse elaborando uma grande pergunta - Quem é você de verdade? Tipo, sem essa máscara de "não ter muito o que contar". Quem realmente é você Oliver?
Suas últimas palavras ecoam em meus ouvidos. Quem sou eu de verdade? Ela me encara profundamente, observando minha reação.
- Bem... Nunca parei pra pensar sobre isso.
Quem sou eu?
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Vidas Cruzadas
Roman pour AdolescentsQual seria sua reação ao encontrar alguém muito semelhante a você? Muitos encaram isso como uma coisa normal. Oliver e Aurora também achavam isso. Juntos por acaso, se uniram aos trancos e barrancos em uma amizade improvável. Por tão semelhantes que...