Calça moletom

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  - Hoje foi o dia mais louco da minha vida.

E ao proferir tais palavras tão despreocupadamente, se jogou na cama de seu amigo loirinho, soltando um suspiro, esperando que o jovem continuasse o diálogo.

- Sério? O que aconteceu?

- Atravessei a rua sem olhar para os dois lados, ouvi jazz, usei calça moletom, passei meu número para um cliente, sabe, essas coisas de gente radical. Alguém como você não entenderia meu estilo perigoso de viver.

- Você o que?

- É, nem eu achei que aconteceria, mas eu finalmente dei chance pro jazz, acredita? E não é tão ruim assim. Eu acho que só tinha preconceito, ou pré conceito. Mas ainda prefiro música clássica.

- Deaky, atravessar sem olhar pros dois lados e ouvir jazz não são coisas radicais ou descoladas ou fora do comum, sabe?

- Não? Mas eu me senti super descolado de calça moletom, sabe...

- Eu tô falando de passar seu número pra um cliente! Me conta mais sobre, anda, desembucha.

- Um cliente foi comprar orquídeas e pediu meu número. - Levantou apenas o tronco, sentando-se na cama macia e fofa e deu de ombros - Só isso.

- Só isso? Ele claramente tava dando em cima de você!

- Ele disse que era pra perguntar sobre cuidado das flores.

- E você acreditou nessa historinha mal contada, John Richard Deacon?

- Claro que não, Roger Meddows Taylor. - Riu ao dizer o nome completo do rapaz, sentindo-se formal - Eu só insisto nisso. Eu não acho que alguém realmente vá se interessar por mim. Você sabe, eu sou isso. - Apontou para sí mesmo, indicando o que queria dizer. Entretanto, o loiro apenas franziu as sobrancelhas e fez uma expressão irritadiça.

- Justamente por você ser isso - Colocou o indicador na cara do acastanhado, sem pesar palavras ou ações - que ele deu em cima de você, Deaky! Você é muito lerdo, sério.

- Não sei. Eu posso ser arrumadinho, mas eu sou meio chato. Ele não tem cara de quem gosta de rapazes que ouvem música clássica enquanto tomam chá e usam calça skinny.

- Isso é literalmente o meu tipo.

- Quer namorar comigo, então?

- Claro, estamos namorando, agora.

- Amor, você tem que terminar com o Brian primeiro. Eu não quero ser traído nesse relacionamento, sabe.

- Ridículo. - Riu.

- Pode ser o seu tipo, mas você só gosta de gente esquisita, Roger.

- Ei!

- Eu menti?

- Bem, não exatamente...

- Ele disse que eu era bonitinho ou algo do tipo. Eu sou bonitinho? Quero dizer, você me considera um homem bonito? - Deixou as costas caírem sobre o colchão fofinho, fechando os olhos e relaxando.

- Você é lindo, Deaky. Que pergunta boba.

- Mais do que o Brian?

- Vocês dois são os homens mais lindos do mundo, ok?

Pôde ouvir a risada do mais novo, e sorriu junto. Aquele som era radiante.

- Você é o homem maaaais lindo do mundo, Rog.

- Você que é, Deaaaaaaky.

- Eu sou mais alto então eu estou certo.

- Que baboseira! Você é tipo, um milímetro mais alto! E além do mais, eu sou mais velho! Você me respeite, John!

- Que medo...

- Ei! É sério, tá bom?

- Tá bom. - Riu.

Se sentou ao lado do corpo magro do amigo, observando suas feições calmas.

- Tá com sono, Deaky?

- Não.

Deitou também, imitando o garoto. Olhava para o teto como se fosse o céu noturno e estrelado e sorriu. Imaginava constelações imensas e brilhantes, mais ofuscantes que qualquer coisa. Mais ofuscantes até que os raios de sol que emanavam de John, ou das cintilantes unhas que havia pintado na noite anterior, dizendo que era um teste. Mas não eram mais brilhantes que Brian. Ele era cheio de luz e vida, e isso encantava o loirinho, que era tão lotado de sentimentos ruins.
Lembrou da torta. Lembrou do cachorro quente, da roda gigante, do guarda-chuva, do pão de mel, do bilhete. Do primeiro bilhete.

"Por que você chora todos os dias?"

- Todo mundo chora... - Repetiu as palavras anteriormente ditas por sí - Eu só... Eu apenas choro mais que a maioria... Mais do que a média... Das pessoas...

Sentiu vontade de chorar, de novo. Engoliu seco, como se estivesse engolindo todas as lágrimas que insistiam em tentar sair, com o intuito de mantê-las dentro de sí. Cansou de chorar. Não queria mais ser o garoto chorão de sempre.

- Não vou mais chorar. Nunca mais.

Sentiu uma mão repousar sobre a sua e se entrelaçar com a mesma.

- Que bom, não é?

- E tipo, ele me passou o número dele.

- Hm.

- Brian! - O cacheado sentiu uma almofada bater contra sua cabeça, olhando direto para o indivíduo que havia a jogado. Freddie o olhava sentado na escrivaninha, com uma expressão brava.

- Que foi?

- Presta atenção! Eu ouvi todos os seus surtos amorosos pelo seu loirinho chorão e você não presta atenção nos meus? Que tipo de amizade é essa em que eu sou deixado de lado, hein, hein? Me sinto traído, t r a í d o!

- Desculpa. Eu tava pensando.

- No que?

- Nele.

- Lá vai ela sofrer pelo padrãozinho de novo...

- Respeitar, ok?

- Não dou respeito para amigos FALSOS.

- Ah, pronto. Era só o que me faltava. Falso por que, garoto? Eu hein.

- Você tá sendo muito rude ultimamente. Tá andando muito com esse tal de Freddie Mercury, ele tá te estragando. - Freddie indagou, de braços cruzados.

- É, também acho.

- Ei! Não era pra concordar! Me sinto atacado...

- Você mesmo se atacou.

- Ai, olha...

- E como ele é?

- Hm? - Olhou para o moreno.

- Como o garoto da floricultura é, Freddie?

- Ah, ele é... Bonito pra caralho.

- Como?

- O cabelo dele é castanho e bem cheio. Ele tem um nariz tão fofo e olhos pequenos... Sério, é um gato.

- Você não costuma gostar de caras fofos. O que aconteceu com você?

- Sei lá. Ele é tão... Parece uma flor. Que nem as que ele vende. Ele é bonitinho, parece delicado e frágil, é cheiroso...

- Ele precisa ser delicado e frágil?

- Como assim?

- Ele pode ter personalidade forte. Aparências enganam.

- Não sei. Ele foi bem gentil comigo e parecia tímido.

- Também, com você insistindo em pegar o número dele.

- Foi necessário!

- Sei, sei.

- Foi mesmo. Um dia ele vai ser pai dos meus filhos.

- Seus gatos, quis dizer?

- Dá no mesmo.

Letters for Roger TaylorOnde histórias criam vida. Descubra agora