A terceira criança

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 O som das explosões estremecia todo aquele túnel. O pequeno metrô, de apenas 3 vagões, mergulhava na escuridão. Lâmpadas queimadas, escombros, medo. 

 - Pra onde a gente vai, Dois? - perguntou a pequena criança, sentada no chão, cabisbaixa, deixando seus longos cabelos loiros cobrirem seus olhos.

 - Não precisa se preocupar, Seis - disse Dois. - Vamos escapar todos juntos.

 Uma explosão razoavelmente forte balançou o trem, desequilibrando a jovem ruiva Dois, que estava de pé. Uma mão forte, firme, a segurou pelo ombro, gentilmente a mantendo em pé.

 - Obrigada, Um.

 Calado, o rapaz apenas a olhou nos olhos. Um único olhar, num único segundo, tão carregado, porém tão simples, que as crianças jamais poderiam lê-lo.

 Um pouco afastados, mas ainda no mesmo vagão escuro, iluminado apenas pelas últimas lâmpadas acesas do túnel, um garoto passava mal. "Justificável", foi o que todos pensaram. Outro garoto passava a mão em suas costas.

 - Já já a gente vai sair desse trem, Cinco. Aguenta só mais um pouquinho.

 O pequeno Cinco preferiu não arriscar responder, nem sequer abrir a boca.

 - Três, conseguiu sentir alguma coisa? - perguntou Dois ao garoto que cuidava de Cinco.

 - Não estamos longe. Nesse ritmo, chegamos em menos de 10 minutos - disse o garoto, olhando para baixo.

 - Vou me preparar - disse Um, se retirando para outro vagão.

...

 A chuva torrencial era ensurdecedora. A água que escorria pelos telhados formava verdadeiras cortinas, tanto na frente dos pequenos prédios de apartamentos quanto nos becos entre eles. O tipo de noite em que todos preferem, a contragosto ou não, ficar em casa. 

 De um desses estreitos becos uma lata de lixo derrubada espalhava seu lixo que, levado pela água da chuva, certamente chamaria a atenção se alguém passasse por perto. Não foi o caso. Não por coincidência, no mesmo beco dois homens conversavam. "Conversa" provavelmente não é a palavra que alguém usaria pra descrever o que via ali. Um homem de joelhos, olhando para o chão e com um braço sangrando dificilmente poderia ser considerado alguém numa situação confortável.

 - Está feliz agora?

 Ao mesmo tempo, o outro homem, vestindo um sobretudo preto, aberto, estava de pé um pouco atrás. O forte vento que entrava no beco obrigava-o a segurar seu Fedora, também preto, com a mão esquerda, enquanto com a direita apontava sua arma. 

 - Gostaria de não ter gastado nenhuma bala. 

 - Mil perdões.

 - E espero não gastar mais nenhuma. Você foge muito bem. Não é a toa que escapou daquele inferno, "Três".

 - Já faz um tempo que não me chamam por esse nome. Mas nostalgia não é uma das coisas que gosto de sentir quando tem uma arma apontada pra mim.

 - E mesmo assim parece estar de bom humor. Todos os Números são peculiares assim também?

 - Não sou o único de bom humor aqui. Você me parece bem feliz. Ou seria mais algo como "realizado"? De qualquer forma, o que pretende? Vai começar um expurgo aqui em Nilbasse também?

 - Costuma fazer perguntas desnecessárias, senhor Vesport? E sequer pareço um agente do império.

 - Eu sou tão popular assim? Quem mandou você?

 - Não precisa de pressa. Se tiver de saber isso, ele mesmo lhe falará. 

 - Tudo bem. Eu só queria saber se ele vai pagar a conta do hospital. Esse braço não vai ficar bom de repente. E a propósito, seus amigos já estão chegando.

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