Entre dois mundos

Jade

Ouvi um barulho do lado de fora, provavelmente do celeiro e um cavalo impaciente esperando por comida. Bem, ele não era o único. Apertei o boné surrado no cabelo e segui em direção à cozinha.

- Bom dia - falei ao entrar no recinto e deparar com meu pai e sua fumegante caneca de café
- Bom dia, querida - sorriu

Peguei um prato e me servi com ovos e bacon, minha boca salivou com o cheiro - Isso parece bom

- Como o de ontem? - ergueu as sobrancelhas

E daí que comemos ovos com bacon ontem? E antes de ontem? Estava bom para mim de qualquer jeito, ter uma refeição todos os dias era bom

       - Sim, pai - degustei a comida me deliciando

-  Me desculpe por isso - levantei a cabeça rapidamente e encontrei seus olhos cinzas suplicantes, havia um certo tipo de dor neles

- Não se desculpe por nada, ok? Essa situação vai melhorar, eu sei disso...a safra vai progredir - tentei consolá-lo, pois tinha que fazê-lo. A economia do país não estava agradável, as pragas estavam destruindo as plantações e o mercado diminuía.
- Eu espero que sim Jade, pois não sei o que farei se...
- Nós vamos dar um jeito, como sempre damos - cortei-o - não se preocupe a toa pai...não quero a sua saúde em risco
- Eu estou bem, um pouco velho...mas sou forte como um cavalo
- Uhum - assenti e pus o prato na pia - falando nisso, preciso montar Hunter para trabalhar
- Vejo você mais tarde? - perguntou assim que abri a porta
- Claro - confirmei e fui buscar meu cavalo

Hunter era um cavalo malhado e corria feito um puro sangue, não que eu já tenha corrido com um desses, só a família real os possuía e alguns fazendeiros ricos...mas apostava todas as minhas fichas no meu equino.

A clínica veterinária onde eu passava horas limpando pelos e fezes de animais ficava aproximadamente uns cinco quilômetros de casa, na cidade. Apesar de algumas funções, eu gostava do emprego, talvez eu pense na faculdade assim que tiver dinheiro suficiente.

Deixei Hunter no posto de sempre, atrás da clínica onde meu chefe garantira que estava seguro, talvez sim, pois era um beco sem saída aquele lugar e com um fardo de feno para o animal não morrer de fome.

Assim que entrei pus meu jaleco e luvas, não tínhamos muitos pacientes ainda e o Dr. Roth estava fazendo cirurgia em um bode que sofrera um acidente na estrada, as patas foram fraturadas, parecia muito sério. Adoraria entrar e ajudar, mas ia além dos meus conhecimentos e...

- Voando de novo, Jade? - uma voz conhecida me tirou os pensamentos
- Estou bem aqui - encontrei Lesa atrás do computador me espiando, ela era tipo a secretária, atendia ligações, marcava consultas...essas baboseiras.
- Como foi seu fim de semana? - ela quis saber
- Ah, você sabe...o mesmo de sempre, ajudei meu pai, cavalguei com Hunter e dormi pra caramba
- Céus, garota! Você devia sair mais sabe, arrumar um namorado...

Quase engasguei - Não preciso de um namorado - resmunguei

- Todo mundo precisa de alguém menina, e se eu fosse você aproveitava a beleza que tem e sairia para caçar - Lesa sorriu maliciosamente
- Mas eu caço - respondi com desdém
- Texugos, talvez? - revirou os olhos - Estou falando de...

Um barulho ressoou pela porta da frente, e dei um pulo quando um rapaz entrou com um cachorro nos braços, sangue corria por sua pata traseira.

- Mas que porra...- antes que eu falasse o garoto veio até mim
- Preciso de um veterinário, urgente, ele foi picado por uma cobra...daquelas venenosas - disse desesperado
- O veterinário está em cirurgia, talvez devesse tentar outro - Lesa estava do meu lado agora
- A outra clínica fica a meia hora daqui, ele vai morrer até lá - o rapaz parecia irritado dessa vez
- Sinto muito mas... - ela começou mas interrompi
- Preciso de soro e...- abaixei para ver o ferimento do cão - ataduras, talvez um antisséptico também - falei ao que parece ao vento, pois tanto Lesa quanto o garoto me encaravam
- O quê?
- Você é veterinária? - ele perguntou primeiro
- Que merda pensa que está fazendo? - foi a vez de Lesa falar