CARNAVAL

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Pois é... domingo ensolarado, todos aprontam suas roupas coloridas, confetes, catuabas, destilados e cervejas à vontade, mas eu como mais um trabalhador desse país sofrido que se esconde atrás de suas festas psicodélicas, no mínimo. Muitos vão dizer—como já disseram— que eu devo também amar o carnaval, torcer para uma seleção de futebol capenga e prostituta, mas por qual motivo eu deveria prestar a essa loucura infame?  A qual está em ignorar as reais necessidades do povo para me enclausurar na felicidade rápida e fugaz de uma noite barulhenta, cheirando a álcool, sim, a cada passo que eu dava, nessa cidade, nessa noite, o ar estava pesado e fétido, seja pelo álcool exalando dos corpos suados, seja após o processo de depuração renal, misturado com as substâncias toxicas eliminadas pelo organismos, que intensificavam a acidez que embrulhava o meu estômago.

Mas sou brasileiro, sou sim senhor, e me orgulho da minha nacionalidade e do povo brasileiro, mas nesse domingo de alegria para muitos foi mais um dia fatídico na vida de um mero trabalhador, ou seja, eu. Porque o dia transcorreu na santa paz, levantei como de costume, fiz um café doce em demasia, comi umas três a quatro fatias de pão de forma e fui pra frente de meu velho companheiro—computador— revisar um manuscrito, pois pretendo entrar na desanimadora briga por uma publicação, em um país que enterra as letras e exalta o samba suado, esse que é mais feito para gringo ver e achar bonito, todas as manifestações da cultura brasileira são de igual modo importantes para a sociedade, mas não vemos justiça na valoração dos artistas que não se enquadram no show business carnavalesco. Eu como um mero e simplório escritor iniciante, veja bem, quanta infelicidade em uma única oração; escritor e ainda por cima iniciante, quais as chances de sobrevivência nesse país? Eu digo que nas maiores das expectativas são microscópicas por N motivos.

Voltemos ao foco inicial dessa comédia da vida comtemporânea, passei um domingo de paz e tranquilidade trabalhando—para muitos escrever não é um trabalho "normal"— mas, o trabalho que atualmente paga minhas contas iria se iniciar apenas as oitos horas da noite, porque a escrita ainda não é bem vista por aqui, antes parece que somos alguma espécie de anticristos que merecemos ser crucificados e renegados pela sociedade. Como estava dizendo,  trabalhei sem pressa, e sem pretensão no meu manuscrito. Por volta das seis horas da noite tomei um banho, fiz minha barba, que já estava pequena, mas o trabalho exige que se tenha uma cara de pele de bumbum de neném, estranho porque depois que iniciou a necessidade de se barbear de forma mais constante, a barba se rebelou contra o gilete e insisti em crescer mais rápida do que eu possa apara-la, deixemos as minúcias de lado, após o banho ao som de uma canção de séculos atrás, calço um sapato de cor escura, calça preta, blusa cinza, olho o horário do ônibus e saio apressado e respirando acelerado, pois faltava poucos minutos para perde-lo— o próximo só sairia após trinta minutos—, cheguei no ponto final de embarque do ônibus com a testa brilhando de gotículas de suor, o coração saltitante, mas para minha surpresa e ira, o motorista estava conversando tranquilo do lado de fora do veículo com um cigarro acesso nas mãos ignorava o seu horário de saída que já iria ultrapassar em poucos segundos. Eu olhei com despeito para sua calma, pois sua respiração estava normal, sua testa fosca sem nenhum resquício de brilho de suor, eu de fato o odiei naquele momento, mas coitado não merece ser odiado, aliás, ele não fez nada de errado, apenas se deixou levar pela calma  letárgica de inicio de noite de domingo. Por incrível que pareça, ele ainda conseguiu sair dentro de seu horário. Eu sentei próximo a duas janelas, abri as duas até o limite, para que no movimento do veículo o vento amenizasse o calor castigante desse dia de final de fevereiro, abri um livro que comprei em uma liquidação dias atrás, em uma livraria em um shopping na zona norte da cidade— péssimo livro, por sinal—, mesmo seu autor tendo lançado outros livros –que fiquei sabendo somente depois de ler a orelha do livro— e também por ser financiado pela pomposa e imaculada; Companhia das Letras, não achei lá isso tudo para uma editora tão exigente sai por ai publicando qualquer porcaria de fulano somente porque teve trabalhos anteriores, ou quem sabe um padrinho que o indicará? Pode ser uma, ou até mesmo as duas coisas. Isso acaba de dar o golpe de misericórdia na capenga literatura brasileira, porque os leitores não querem ser enganados com falsos livros publicados por coronéis da literatura que ficaram viciados pela fama e se acomodaram achando que qualquer merda que pensam e escrevem é arte relevante para leitura, tolos! Assassinos da arte! Respeitem os leitores! Porque o leitor brasileiro não é bobo, aliás,  nunca foi bobo, mesmo com tantas mazelas e lacunas educacionais, o leitor brasileiro reconhece um trabalho autêntico, sincero, vivo, livre e pulsante quando se depara com um, porque a arte corre em nossas veias então, nos poupe desse lixo literário que se esconde por detrás de um selo de uma editora "canônica" não sei se essa palavra expressa da forma mais correta, comecei a fugir do foco de novo observem a divagação....então,  eu estava forçando para ler as páginas do tal livro no balançar do veículo de transporte público, sentia náuseas— culpa da leitura de uma história forçada a encaixar num modelo errôneo e pretencioso—, mas a vantagem e que o trajeto foi mais rápido que de costume, pois trânsito quase não havia, nesse trajeto longe do centro.

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