Capítulo 18 - JOGANDO COM INTENSIDADE

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Nicolas disse que nunca sequer havia entrado em um campo de futebol.

Samuel falou que o mundo do futebol é extremamente homofóbico.

Rafaela apontou que o mundo do futebol é, além de homofóbico, muito machista e que o nome "pelada", por si só, não dava uma boa perspectiva para ela.

Denis disse que até que não achava ruim jogar FIFA no Xbox One.

Eduardo só revirou os olhos e não falou nada.

E no fim nós votamos e o resultado foi cinco votos a favor de ir jogar futebol — Eduardo foi o único que não ficou animado com essa nova experiência. Então depois que eu respondi ao meu tio que estávamos dentro do programinha para o domingo, os NERDS se apressaram em avisar suas famílias e assim a gente pôde organizar tudo da melhor forma possível.

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O sol está tão forte que eu sinto que poderia fritar um ovo no asfalto. Antes de sairmos de casa minha mãe revira as nossas coisas mil vezes para ter certeza de que não estamos esquecendo nada. Mas o grito dela vem assim que tio Carlos entra em casa depois de guardar tudo no porta-malas do carro e dizer:

— Meia hora nesse sol e minha pele vira torresmo!

— O protetor solar! — Minha mãe fala e sai correndo em direção ao seu quarto.

Quando ela volta, finalmente podemos sair.

Chegamos ao clube e já está todo mundo nos esperando e eu adoro ver como todas as famílias interagem tão facilmente entre si.

Meu tio pede que eu siga na frente com os garotos enquanto eles vão tirando as coisas do carro. Passo pela entrada do clube e quando vejo a galera se jogando na piscina lembro instantaneamente do passado, mas decido que não vou passar o dia pensando nisso.

Chegamos ao espaço da churrasqueira que fica ao lado do campo sintético e os garotos deixam suas bolsas no chão. Junto com nós seis estão Pedro e a irmã de Rafaela, Raquel, que está falando um papo estranho para a gente.

— Eu to falando sério quando digo que é impossível querer defender a ideia de uma família padrão. — Ela diz e olha para cada um de nós enquanto fala. — A minha tia já namorou um cara que a irmã dele queria muito ser mãe, mas nunca encontrou o cara certo. Aí ela foi lá e fez inseminação artificial e se tornou mãe solo, duas vezes!

Olho para Rafaela e percebo que ela encara a irmã com total admiração.

— Ei Rafa, bora no banheiro trocar de roupa! — Raquel diz mudando de assunto do nada e Rafaela a acompanha em direção ao banheiro feminino.

— A Raquel sempre tem alguma coisa estranha pra contar. — Pedro diz se aproximando. — Algumas coisas fazem muito sentido, como essa de agora, já outras são frutos de uma mente muito fértil. Nunca a pergunte sobre o ET de Varginha, sério mesmo!

Estou rindo da expressão dele quando os nossos pais (e meu tio) chegam com o restante das outras coisas. Todo mundo começa a se organizar no espaço e eu vou até o banheiro para tirar meu short jeans e vestir um short azul escuro de jogar bola que tem o brasão do Cruzeiro.

Volto para junto da galera e fico ansioso pra gente ir para o campo jogar um pouco, mas minha mãe começa um discurso sobre como o sol está muito forte e a gente só pode ir depois que todos estiverem devidamente protegidos com o protetor solar fator 70! Assim a gente (eu, os NERDS, Pedro e Raquel) nos dividimos em duas filas para que minha mãe e Carmem, a mãe de Rafaela, nos passe o protetor solar — como se fossemos crianças e não pudéssemos fazer isso sozinhos.

Quase me derreto de vergonha porque quando minha mãe passa o protetor solar no meu rosto, ela faz aquela voz de bebê superconstrangedora e diz:

— Deixa mamãe cuidar direitinho do maior tesouro dela!

E todo mundo escuta e fica rindo. Sinto vontade de enfiar minha cabeça em um buraco no chão como se eu fosse um avestruz.

Meu tio e o pai de Eduardo já acenderam a churrasqueira quando nós caminhamos em direção ao campo e deixamos os adultos sozinhos (pelo menos os mais adultos, já que Pedro, Raquel e eu já temos mais de dezoito anos).

— Como são as regras do jogo? — Rafaela pergunta quando paramos no meio do campo.

O campo sintético é pequeno, do tamanho de uma quadra de futsal.

— Alguém aqui já jogou bola, além de mim? — Pergunto e Raquel levanta a mão. — Ótimo, então nós vamos dividir o time. A ideia é fazer a bola entrar no gol do campo adversário.

Fico todo sorridente porque é estranhamente bom explicar algo para os NERDS depois que me acostumei a ter eles me falando sobre tudo.

Raquel começa escolhendo o time e fico um pouco frustrado porque ela chama Rafaela e eu já estava esperando colocá-la no meu time — porque a Rafa é alta e por ter as pernas longas eu logo imagino que é uma boa corredora.

Cinco minutos depois estamos com os times divididos.

Time A: Raquel, Rafaela, Denis, Nicolas.

Time B: José, Pedro, Samuel, Eduardo.

Decidimos a posse da bola no par ou impar e quando nosso time ganha Pedro diz que é sorte por ele já estar segurando a bola.

Cada time vai para o seu lado e eu aproveito rapidamente para explicar como nosso time deve agir.

— Eu vou ficar no gol porque não consigo correr muito, então o que vocês devem fazer é se espalhar, não fiquem muito juntos e sempre passem a bola entre si. Se eles tomarem a posse da bola, vocês avançam encima, mas sem machucar!

— Tudo bem, vamos nessa! — Samuel comenta animado.

Caminho até o gol e de lá consigo ver que os adultos estão nos vendo da entrada do campo.

Pedro coloca a bola no chão no meio do campo e começa chutando para Eduardo que está a sua esquerda. Eduardo, assustado, chuta a bola para frente e Raquel a segura com o pé direito e começa a avançar em minha direção, quando Pedro vai para cima dela, a garota passa a bola para Rafaela que, como eu imaginava, é uma boa corredora e logo começa a vir apressada em minha direção. Tento me apressar para o lado que ela vem, mas a muleta acaba me atrapalhando e ela faz o gol. O outro time grita comemorando e os nossos pais batem palma, comemorando.

Jogo a muleta do lado do gol e decido ficar em pé por mim mesmo. O jogo recomeça.

Fico totalmente surpreso quando Samuel consegue tomar a bola de Raquel, passar para Pedro que o devolve e então da um olé em Denis e depois faz o gol em Nicolas que nem se meche tentando pegar a bola. Dou um pulinho comemorando e gritando parabéns para ele.

O jogo avança e eu me sinto mais solto. Quando Rafaela volta a correr com a bola em minha direção eu me apresso para frente e consigo tomar a bola, chutando para Eduardo, que logo a perde para Denis — que é o pior jogador do outro time — que passa de volta para Rafaela.

Fico correndo de um lado para o outro, abaixando e me levantando para pegar a bola e de repente começo a ver uns pontos escuros em minha visão. Estou ofegante e sentindo falta de ar, e até penso em pedir para que paremos um pouco, mas está todo mundo tão envolvido com o jogo que não tenho vontade de parar. Eu já sabia que estava com saudade de jogar bola, mas não sabia que era tanta quanto percebo agora.

O baque de verdade acontece quando tá todo mundo do outro lado do campo. Nicolas finalmente decidiu se mexer dentro do gol para tentar segurar a bola. Pedro está do lado esquerdo e Samuel tem a posse da bola, mas como Raquel e Rafaela o estão marcando, ele chuta a bola para o lado direito onde Eduardo está. Percebo o que vai acontecer antes que aconteça. Eduardo pisa encima da bola, vejo seu pé escorregar e bater no chão e quando ele cai no chão gritando sei que algo ruim aconteceu.

Começo a correr em sua direção o mais rápido que posso. Os pontos pretos em minha visão começam aficar maiores, o oxigênio parece não chegar aos meus pulmões e quando eu me lembro de que fiz uma traqueostomia na época do coma e que meu pulmão não funciona tão bem quanto antes, eu apago.

José e os NERDS Contra o MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora