Terminal

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Suspira.

Um profundo e longo suspiro, na possibilidade de ser um dos últimos. Acordar e dormir  ao som dos bipes da máquina era a monotonia a qual sua vida se resumia agora.

Estava ciente de sua condição e sabia que a qualquer momento poderia ir dormir sem voltar a acordar, mas não se importava. E não se importava pois sabia que ninguém choraria sua perda. Havia afastado todos justamente para evitar isso.

Nunca quis um enterro melodramático, com chororôs, lástimas e tristeza. Sempre pensou em morrer em paz, afetando o mínimo possível as pessoas ao seu redor, mas insistia em ficar vivo.

Seu corpo, por pior que estivesse, não sucumbia à doença que lhe consumia. Parecia negar a possibilidade de um dia ser consumido pelas bactérias do solo. Mas sua mente não. Ela até ansiava por isso. Acabar logo com o sofrimento que era viver dependendo de alguém em uma maca de hospital.

Nem queria ter vindo, mas acabou se entregando ao medo da morte quando a doença se instalou. Agora que já não a temia mais, não havia a necessidade de continuar ali, vegetando em uma cama.

Acreditava que morrer seria melhor. Não precisaria mais vivenciar os bipes irritantes das máquinas que o cercavam, e nem comer aquela gororoba que insistiam em chamar de comida. Estaria em fim, livre. E o melhor: partiria sem que ninguém sofresse.

Seus pensamentos são interrompidos pela enfermeira. O único sorriso que conseguia clarear a escuridão que sua vida se tornara naquele hospital.

Mas espere! O que é isso? Seria esse um sentimento de afeto? O pior: seria este um sentimento recíproco? Não. Não deve ser. Não pode ser. Mas e se for? Nesse caso, teria que afastar-se desses pensamentos e assim afastar-se também da moça que lhe cuidava.

Não sabia se seria possível, mas tinha a absoluta certeza de que era necessário. Afinal, não queria ninguém lamentando seu fim iminente, nem mesmo a mulher que lhe trata, inutilmente, para evitar o inevitável.

Era isso. Havia tomado uma decisão. Na próxima vez que ela entrar por aquela porta, fingiria não se importar, não conversaria. Apenas deixaria ela fazer seu trabalho.

Deixou escapar um suspiro e ela o olhou. Aqueles profundos olhos castanhos o acertaram em cheio.

Impossível. Impossível! Era o que repetia mentalmente enquanto deixava se hipnotizar.
Teve toda uma vida livre, móvel, para que tivesse algo especial. Por que agora, tão perto do fim, isso lhe acontecia? Depois de tanto trabalho para afastar-se de paixões, estava ele fadado a deixar alguém lamentando?

Não queria aceitar. Lutava internamente para evitar que seu coração batesse por aquela mulher, mas perdia facilmente.

A essa altura, qualquer tentativa já não seria suficiente. Havia se apaixonado e agora agonizava em relação àquilo com o que já havia se conformado: a morte.

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