"Oh, jardineira, por que estás tão triste?
Mas o que foi que te aconteceu?
Foi a camélia que caiu do galho
Deu dois suspiros e depois morreu"
Ao som da marchinha de carnaval, Lara adentrou o salão nobre do clube Alegro, no Centro do Rio de Janeiro, bem próximo à Praça XV. Olhou com genuíno interesse a decoração do local. Enfeitado de forma esplendorosa, lembrava muito a beleza dos bailes de salão de décadas passadas. Aliás, do século passado. Mas, a semelhança parava por aí, nos detalhes. O baile era eclético. Desde que se pagasse para entrar, a escolha da fantasia era de livre e espontânea vontade do folião.
Fantasiada de Sandy, a protagonista do filme Grease — Nos Tempos da Brilhantina, Lara seguiu com um grupo de amigas pelo amplo salão espremendo-se por entre os brincantes, ora levando um esbarrão de alguém mais entusiasmado, ora um pisão. Suas amigas achavam graça de suas caretas. Lara resmungava. Apesar de gostar de carnaval, não curtia os empurrões. Criticava aquelas pessoas que perdiam um pouco do bom senso e dos limites de espaço. Presta atenção! Meu pé é o de baixo!, avisou, em vão. Entre uma bronca e um gingado de quadris, o grupo se aproximou do palco montado para assistir à apresentação da fanfarra Orquestra Voadora. Muito animadas, as amigas aproveitaram algumas investidas masculinas para beijar muito. Muito mesmo. Cochicharam entre si, gargalharam, arrastaram Lara para o meio do grupo. Provocaram-na. Solte sua fera! Só reclame na Quarta-Feira de Cinzas. Uma festa tão popular como o carnaval parecia ser o paraíso para a perdição. Lara não pretendia plantar riscos para colher arrependimentos. Mas, correr riscos, parecia ser a diversão preferida de suas amigas, sempre de olho no próximo sorriso devastador, na próxima lábia profissional, no próximo beijo molhado...
Vocês não têm medo dos caras ultrapassarem os limites?, Lara perguntou, curiosa; ao mesmo tempo, ponderando se havia ou não entrado em uma roubada ao ter vindo para o Alegro. Até o momento, presenciara consentimento entre as partes envolvidas, mas, estavam falando de carnaval, afinal. Tudo podia acontecer. A gente chama os seguranças, respondeu uma; Eu jogo spray de pimenta na cara de qualquer abusado e depois saio correndo, comentou outra, arrancando gargalhadas do grupo. E onde você comprou?, Lara assumiu-se muito interessada. Ora, na Vinte e Cinco de Março! Minha mãe viajou pra São Paulo e trouxe um pra mim e outro pra ela, ambos em formato de caneta. Você pode comprar pela internet também. Ficou comprovado que suas amigas eram muito mais espertas que ela. Pra homem abusado, que já chega com cantadas chulas e invasivas, ou forçando beijo, ou, pior ainda, passando a mão e 'encoxando', seja aqui, na rua, no ônibus, metrô, ou qualquer outro lugar, não há nada mais assustador do que a Lei contra Importunação Sexual. Vai preso na hora!, informou uma outra amiga, prendendo a atenção de Lara.
Dias atrás, escutara algo em torno dessa Lei, mas, sua mente andara meio enevoada, preenchida por outros interesses. O foco estivera voltado para uma paixão não correspondida e um tanto proibida, caso externasse seus sentimentos em alto e bom som. Gostar de alguém platonicamente era uma tremenda furada. Ultimamente, não conseguira se concentrar nos estudos desde que se viu encantada pela imitação de Clark Kent, o seu Professor de Química, no cursinho pré-vestibular. O jeito atencioso com que era tratada, era o mesmo destinado às outras meninas da turma, embora, aparentemente, apenas ela suspirava pelos cantos, imaginando como seria namorar um homem mais velho, mais responsável e quem sabe, até mais romântico do que os rapazes da sua idade. Ter dezoito anos lhe infligia um montão de dúvidas e algumas poucas certezas, dentre estas, o fato de que precisaria livrar-se de sentimentos conturbados para seguir em paz com sua vida de vestibulanda. O recesso de carnaval chegara em boa hora.
— Se eu soubesse que encontraria a garota de Grease, teria vindo vestido de Danny Zuko – uma voz grave e brincalhona, rente ao seu ouvido, despertou Lara das divagações, forçando-lhe a notar que a conversa com as amigas havia encerrado e elas, rapidamente, haviam se misturado com outras pessoas, bem à frente do palco, prontas para dançar ao som da atração principal da noite.
Lara ficou para trás, um pouco deslocada, e agora, sentia-se desconcertada diante daquele cara que havia lhe notado no meio de tanta gente.
— Olá, Sandy.
Ela o fitou em meio à mistura de surpresa e uma repentina mudez, afastando-se um passo para longe do rapaz. O gesto impôs um limite de espaço e soou como um aviso.
[...]
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ACONTECEU NO BAILE
Short StoryUma diversão com as amigas poderia ser o tipo de acontecimento oportuno para Lara afastar da mente e do coração, uma paixão platônica. O que ela não esperava, era ser surpreendida por uma descoberta, um incidente, um mistério e uma constatação: o qu...