Serafina.
O nome já lhe soava em tom de heresia.
Ela era uma criatura divina, disso não tinha dúvidas. O que lhe intrigava, era o seu lado da moeda.
O padre estava ajoelhado, de frente para sua janela do quarto, a bíblia aberta a sua frente nunca foi tão vazia de significados quanto agora.
Depois de décadas a fio sem pestanejar, agora ponderava sobre a verdade toda que havia guardado no peito. Como poderia seu Deus, ser tão contra sua felicidade? Ou seria aquela a maior provação de sua vida?
Uma grande piada divina.
O tom lúgubre de sua sentença era simplesmente desgastante. Não compreenderia jamais tanta formosura em tão errados lábios.
Serafina.
Conheceu a moça a dois meses em um café próximo a acapella. Naquela manhã, estava sem batina, somente com uma camisa social salmão e uma calça jeans.
Viu a jovem perdida com um saco de pão e um mapa da cidade.
Os cabelos curtos cor de mel pareciam brilhar sob a luz do sol, o nariz pequeno segurava um óculos quadrado e preto, escondendo os olhos, que mais tarde ele descobriria serem negros como uma Onix.
Como o bom homem que sabia ser, Fábio ofereceu ajuda, e descobriu que moça havia se mudado para a cidade a apenas 3 dias, portanto não sabia muito bem se localizar ainda.
Não sabia se era o jeito gentil ou o sorriso primaveril que esquentou-lhe o peito, porém, ele se dispôs a mostrar-lhe a cidade.
E assim começou a saga agonizante em sua vida.
Serafina tinha 23 anos, era uma estudante de letras, poetiza e adoradora de um deus pagão chamado Cernunnos
A primeira vez que havia mencionado tal fato, estavam caminhando em um passeio pelo parque da cidade, em meio às árvores e saguis que sassaricavam barulhentos por aí. Algo na paisagem pitoresca despertava o lado mais fotogênico da menina, talvez por isso cada visão do corpo fino sob o vestido longo e hippie de algodão branco fosse algo carnalmente maravilhoso.
Com o mesmo óculos sobre a cabeça, Serafina ainda não tinha ideia de que Fábio era um padre, e falava abertamente sobre as deidades antigas da humanidade, e suas histórias corroidas pelo tempo nas mãos do cristianismo ladrão.
Colocava a igreja como uma assassina, uma herdeira de meios políticos para controlar e unificar os povos de maneira amedrontadora e fatal, um braço do estado pior do que a própria polícia. Pois não se pode fugir do espírito, como se foge do homem fardado.
O padre, em toda parcialidade cristã, deveria ter ido embora. Sabia que deveria ter dito algo ou apenas dado um ponto de vista diferente, mas o modo tangível da certeza dela era audacioso de mais, era suntuoso de mais. E ele simplesmente ouviu e absorveu, cada palavra proferida pelos lábios rosados.
Mais encontros se deram naquele mês. Primeiro uma ida ao museu, com várias ênfases nas obras surrealistas, afinal, a moça angelical preferia os pés fora da realidade em tons oblíquos. E com ela, ele aprendeu a reaprender a verdade.
Depois, um café no shopping, seguido de uma tarde na livraria, cercados de ideias e conversas sobre filosofia.
Naquele mesmo dia, o carro parou em frente a casa de portão azul da jovem para deixa-la, e ela o fitou com o sorriso gentil de covinhas, deixando as sardas do rosto ainda mais destacadas pelas leves queimaduras douradas de sol.