10.

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I

Carla não jantou com Carolina e Maria, àquela noite. Em vez disso, foi ao único lugar em que conseguia se sentir em paz, embora, para ela, fosse um tipo de ironia se sentir bem em um local para onde mandou muitas pessoas, um lugar cheio de lamentos e dor.

Tinha muito a fazer e em que pensar e estar próxima à Carolina naquela noite após terem tido uma tarde tão turbulenta a desconcentrava. Apesar de saber que a estava magoando, ela precisava enxergar a verdade. Precisava assumir seus próprios erros e enfrentar as consequências.

Fechou os olhos e, por um instante, foi capaz de sentir o calor do corpo dela quando a abraçou e o perfume dos seus cabelos penetrando em sua alma. Era estranho tê-la tão perto e saber que havia um abismo entre elas, algo intransponível.

— Às vezes, você me assusta — disse o velho, arrancando-a de seus pensamentos.

Ela o observou se aproximar com a lanterna na mão, meio claudicante.

— Não precisava pular o muro, sabia? Era só ter me chamado.

Ela enfiou as mãos no bolso do casaco, sentindo o cheiro do cigarro que ele havia acabado de fumar.

— Se o chamasse, não seria divertido — respondeu, finalmente.

O velho riu em meio a uma crise de tosse.

— Acho que é por isso que você me assusta. Não consigo ver onde está a diversão em um cemitério.

Ela estalou a língua, estava apenas provocando-o.

— Por que sempre vem à noite? — perguntou ele, se recuperando de um acesso de tosse, dirigindo a luz da lanterna para o túmulo dos pais dela.

— É mais silencioso para conversar.

— Vocês conversam demais — afirmou, com um sorriso meio desdentado.

Carla o observou sob a luz do luar quando apagou a lanterna. Tudo que podia ver era o alto de sua cabeça com fios ralos e grisalhos. Muitas foram as vezes em que ele a pôs para correr dali quando era apenas uma moleca, até que percebeu que ela estava sempre no mesmo lugar, sempre diante do mesmo túmulo e passou a fingir que não a notava.

O velho olhou em volta e só viu o contorno dos túmulos banhados pela fraca luz do luar. Coçou o queixo, pensando na vida longa que tivera e em quantas vezes se deparara com a mulher ao seu lado naquele mesmo lugar, em noites gélidas como aquela.

— Me lembro de quando você se vestia com menos requinte — comentou, evocando a lembrança da menina aos doze anos de idade. — Agora, mal consigo comparar a mulher diante de mim com aquela garotinha.

Carla quase esboçou um sorriso, pensando sobre isso. De fato, não havia como compará-las. Jamais seria possível. A menina que ele conhecera, apesar de tudo que lhe aconteceu, ainda era inocente. A Carla do presente era apenas uma sombra daquela menina.

— Você não é ela — o velho afirmou.

— Não mais — ela concordou.

— Me pergunto, — ele abriu os braços em um gesto que abrangia tudo à sua volta — quantos destes você mandou para cá.

Ela cruzou os braços, pensativa.

— Não saberia dizer — confessou.

— Nunca os contou?

— Não.

— Ao menos, sabe seus nomes?

— Alguns. Outros, há muito esqueci. Não preciso de números, velho. Não preciso de nomes. Seus rostos já são o suficiente para me assombrar.

Crimes do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora