Antes de partir, descansei um pouco para conseguir lidar com o dia seguinte. Fiquei muito preocupado e nada parecia fazer sentido ainda. Fui acordado por Julie durante o amanhecer. Mesmo cansado, tive que buscar forças em meu interior para fugir. O frio não ajudou muito, mas, felizmente, nossa avidez era persistente.
Escrevi um bilhete para meus pais e coloquei sobre a cama. Acredito que não os deixaria assustados justificando toda ocorrência através de um papel. Senti medo por deixar para trás toda minha vida, mas fugir seria a única opção para salvar todos que eu amava. Caminhei vagarosamente até o quarto de Marcely, que estava dormindo, e observei seu aspecto angelical por alguns minutos. Não tive certeza do que estava fazendo. Provavelmente, estaria prestes a cometer uma loucura que teria graves consequências — "espero que isso seja apenas uma suposição", eu pensava.
Sem fazer muito barulho, peguei algumas coisas para comer na cozinha. Enquanto Julie cuidava da porta para alertar caso alguém aparecesse, organizei cada mantimento dentro da mochila. Observei tudo em volta e senti um nervosismo em meu interior. Estava realmente preparado para lidar com o perigo.
Foi difícil fechar o portão e partir sem despedidas. Lembranças do passado ao lado de minha família apareceram inesperadamente. Fiquei fragilizado com a situação. Eu sentiria saudades, e, se fosse morrer... não deixaria quem amo correr este risco também.
Agora, estava prestes a iniciar outra jornada. Seria assustador acordar pela manhã sem a presença de meus pais, que estão sempre com pressa, e de Marcely, esbanjando carisma, logo tão cedo. Sempre admirei sua empolgação. É fascinante.
Caminhamos até um ponto de ônibus, próximo à minha casa. O local estava deserto. Julie parecia ciente do que estava fazendo e, mesmo demonstrando tanta segurança, senti receio por não saber para onde estávamos fugindo.
— O que você vai fazer? — indaguei, curioso.
— Vamos esperar um ônibus. Vou te levar para bem longe daqui.
Fiquei surpreso.
— Como assim? Você não havia dito que era preciso pegar ônibus! Eu não posso — contestei, aumentando o tom de voz.
— Durante a noite, tentei encontrar um lugar pelos arredores, mas acredito que é melhor nos prevenir indo para mais distante.
Sua tranquilidade confortou meu aspecto. Fiquei sem jeito por ter sido grosseiro e tentei me redimir.
— Desculpa pelo jeito que falei. Vou confiar em você.
— Preciso que mantenha a calma. Daqui a pouco, pessoas podem aparecer, e somente você consegue me ver.
— Tudo bem. Só que este frio não está ajudando, e o nervosismo fica nítido.
Julie esbanjou um sorriso e envolveu os braços em meu corpo. Rapidamente a empurrei.
— Não faça isso! Seu corpo é um gelo e só vai piorar meu estado.
Ela ficou surpresa, e um pouco assustada, com meu desespero.
— Você está certo. Desculpa.
— Sem problemas.
— Você trouxe dinheiro?
Verifiquei rapidamente na mochila. Retirei a carteira e mostrei.
— Está aqui.
— Ótimo. Acredito que estamos prontos.
Sorri demonstrando ternura e sentei sobre o banco.
Conseguimos ver o sol nascer e seu brilho irradiava por todo canto. Mesmo assim, o frio permanecia intacto — provavelmente, por poucos instantes.
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Toques Invisíveis
RomansaChendy é um adolescente que mora no Rio de Janeiro com os pais e a irmã. Certa noite, seus pais chegam em casa do trabalho com uma novidade não muito agradável. Eles conseguiram uma transferência no emprego e estão prestes a voltar a morar em Floria...