1. Superfície (Consciência do Ego)

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             Era possível explorar timidamente as costas da África para o sul, mas se rumassem  para oeste nada encontrariam exceto o medo, o desconhecido, não o Mare Nostrum mas o Mar do Mistério, o Mare Ignotum.

                                              Carlos Fuentes O Espelho Enterrado.

      

No verão em que Jung faleceu, eu estava me preparando para ingressar na universidade. Era 1961. Os seres humanos tinham começado a explorar o espaço exterior, e a corrida estava em pleno curso para ver quem seriam os primeiros a chegar à Lua, os americanos ou os russos. Todos os olhares estavam concentrados na grande aventura da exploração espacial. Pela primeira vez na história humana, pessoas tinham logrado zarpar de terra firma e viajado rumo às estrelas. Não me dei conta na época de que o nosso século tinha sido marcado de uma forma igualmente decisiva pelas jornadas para o interior, as grandes explorações do mundo íntimo pelos pares de Carl Jung nas décadas que antecederam o Sputnik e a Apollo. O que John Glenn e Neil Armstrong significaram para nós como exploradores do espaço exterior, Jung significa em relação ao espaço interior, um corajoso e intrépido viajante penetrando no desconhecido.

       Jung faleceu em paz na sua casa dos arredores de Zurique, num quarto de frente para o lago tranqüilo a oeste. Para o sul, podia-se divisar os Alpes. No dia anterior ao de seu passamento, pediu ao filho que o ajudasse a ir até a janela para uma derradeira visão de suas amadas montanhas. Passara uma vida inteira explorando o espaço interior e descrevendo em seus escritos o que aí descobriu. Por coincidência, aconteceu que no ano em que Neil Armstrong caminhou na superfície da Lua embarquei numa viagem a Zurique, a fim de estudar no Instituto Jung. O que estou compartilhando com os leitores neste volume é a essência de quase trinta anos de estudo do mapa da alma traçado por Jung. A finalidade deste livro é descrever as conclusões a que Jung chegou, tal como as apresentou em seus escritos publicados. Descobrir Jung pode ser, antes de mais nada, algo como mergulhar naquele "Mar de Mistério" a cujo respeito Fuentes escreveu em seu relato sobre os primeiros exploradores que se aventuraram a cruzar o Atlântico desde a Espanha. É com uma sensação de excitação, mas também de medo, que um homem penetra nessas remotas paragens. Recordo as minhas primeiras tentativas. Senti-me dominado por tamanha excitação que procurei ansiosamente o conselho de muitos dos meus professores universitários. Perguntava-me se isso era "seguro". Jung era tão atraente que me parecia ser bom demais para ser verdadeiro! Ver-me-ia perdido, confuso, desorientado? Felizmente para mim, esses mentores deram-me a luz verde, e estou viajando e descobrindo tesouros desde então.

           A jornada original do próprio Jung foi ainda mais assustadora. Ele não tinha literalmente, nenhuma idéia sobre se iria encontrar um tesouro ou despencar da borda do mundo no espaço exterior. O inconsciente era, na verdade, um Mare Ignotum quando Jung pela primeira vez penetrou nele. Mas era jovem e corajoso, e estava determinado a realizar algumas novas descobertas. Assim, não hesitou em seguir adiante.

         Jung referiu-se, com freqüência, a si mesmo como um pioneiro e explorador do mistério inexplorado que é a alma humana. Parece ter tido um espírito arrojado. Para ele - como para nós ainda - a psique humana era um vasto território e, no seu tempo, não tinha sido ainda muito estudada. Era um mistério que desafiava os aventureiros com a perspectiva de ricas descobertas e assustava os tímidos com a ameaça de insanidade. Para Jung, o estudo da alma tornou-se também uma questão de grande importância histórica, visto que, como ele certa vez disse, o mundo inteiro está pendente de um fio, e esse fio é a psique humana. É vital que nos familiarizemos todos com isso.

        A grande interrogação, claro, é esta: Pode a alma humana ser alguma vez conhecida, suas profundezas sondadas, seu vasto território explorado e mapeado? Foi talvez algum resíduo da grandiosidade científica do século XIX o que levou pioneiros da psicologia da profundidade, como Jung, Freud e Adler, a empreender esse esforço e a pensar que poderiam definir a inefável e supremamente inescrutável psique humana. Mas estavam dispostos a penetrar nesse Mare llmotum e Jung tornou-se um Cristóvão Colombo do mundo interior. O século XX tem sido uma era de grandes avanços científicos e maravilhas tecnológicas toda a espécie; também tem sido uma idade de profunda introspecção e m vestigação de nossa comum subjetividade humana, o que resultou no campo hoJe amplamente conhecido como psicologia da profundidade.

Jung o mapa da almaOnde histórias criam vida. Descubra agora