Capítulo 1

6 1 0
                                    

[Escrito em português de Portugal]

O céu estava repleto de nuvens escuras. No cimento áspero do passeio caía uma gota de água, impercetível. Alguns metros à frente, uma outra escurecia o chão. Pequenas e solitárias gotículas desciam à terra crescendo cada vez mais em número. Aquelas que pouco tempo antes eram apenas gotas, tornam, agora, as superfícies em poças de água e abrem guarda-chuvas monocromáticos. A cidade torna-se enevoada e cinzenta. O som dos relâmpagos repentinos é arrepiante e intensifica-se com o passar dos segundos, misturado com os ruídos dos transportes e a voz da população. Ainda assim, a chuva empurrada pelo vento chocando contra os edifícios e chão conseguia silenciar todos estes sons citadinos. Nas ruas paralelas e indistintas, cheirava ao fumo dos carros e dos cigarros apagados e esmagados pelo asfalto. Conseguia ver-se, em cada canto, cores berrantes, números e imagens publicitárias denegridas pela paisagem sem vida. Os semáforos piscavam entre a névoa misturada de fumo negro e a água corria pelas cavidades de escoamento até chegar às grades do esgoto. Em cada canto alguém estava de olhos postos num ecrã e em cada cara podia ver-se a distância, cansaço e despreocupação com o que se passava à volta. Era aquela hora: A hora em que a gente saía do seu respetivo posto. Cada vez menos pessoas optavam por andar no meio da rua. Umas corriam com apenas um capuz ou algo em cima da cabeça, outras andavam apressadamente com o seu guarda-chuva e outras abrigavam-se à espera que aquele temporal abrandasse. A verdade, é que ninguém previu uma tempestade com esta intensidade.

As gotas escorregavam pelo vidro. O para brisas balançava de um lado para o outro rapidamente, sem parar. Dentro do carro o ambiente era quente, abafado. Quatro lugares preenchidos por quatro pessoas silenciosas. O condutor guiava com atenção. As duas crianças, na parte de trás, viajavam perdidas nos seus pensamentos. A mulher ao lado do condutor revistava uns papéis que continha nas suas mãos, virando, lendo e revirando freneticamente as folhas. Todos conseguiam apenas ouvir o som constante da chuva misturada com o vento e o rádio com o volume quase no mínimo.

- "... a velocidade do vento é... - uma rajada interrompeu-... é perigoso permanecer nas ruas. Pede-se a todos os cidadãos que se abriguem e... ...abrandar"

O rapaz jovem sentado no banco de trás, pára de olhar para as suas sapatilhas sujas de terra que baloiçavam aborrecidamente de um lado para o outro ao fundo do banco, muda de expressão e quebra o silêncio perguntando:

- É perigoso? Estamos quase a chegar a casa? - Os seus olhos cinzentos procuram desesperadamente por uma resposta de qualquer um dos presentes.

- Se não fosse perigoso, eles não nos estariam a mandar para casa. - Responde a menina, sentada a seu lado, parando de olhar para o exterior e direcionando-se para ele com o queixo apoiado na mão, prendendo alguns dos seus longos fios de cabelo preto nos seus dedos.- Mas também estou a ficar com medo.

- Não precisam ter medo, não tarda nada estamos em casa e lá estamos seguros - A mulher sentada no assento da frente estava agora voltada para trás, olhando nos olhos de cada um dos seus filhos e oferecendo um sorriso reconfortante para ambos- Por enquanto, a tempestade não deve piorar- Após alguns segundos, ela virou-se de novo para a frente e relaxou, assim como eles.

- Daqui a cinco minutos estamos em casa. - Disse o homem sem tirar os olhos da estrada e cossando com uma mão a cabeça cheia de caracóis largos e despenteados, de seguida ajeitando os óculos finos que escorregaram no seu grande nariz. No seu dedo estava um anel dourado, idêntico ao da mulher.

O carro passou por uma cavidade e o carro branco deu um sobressalto, assim como os seus passageiros, seguido de um trovão.

-"Av...vermelho... assim que possível retornem... domicílios... ...Derrocada na auto-estrada A26..."

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 31, 2019 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

WaterOnde histórias criam vida. Descubra agora