"People go
but how they left
always stay."
Levanto os olhos do meu livro e finjo prestar algum tipo de atenção nas palavras que saem da boca da minha mãe. Ga je koffer inpakken, Aurora. Não sinto vontade de arrumar a mala como ela mandou, então ajo como se não a houvesse escutado. Me irrita ela ainda falar em holandês, como se fosse mudar alguma coisa. Até parece que falando holandês a gente fica a menos quilômetros da Holanda. Fico de pé e abro a mala como se fosse começar a arrumá-la apenas para irritar a minha mãe, e então pego uma roupa para que eu possa usar no primeiro dia de aula. Inglês não vai ser problema. Afinal, não é como se eu já não tivesse me acostumado com a situação, se mudar para um lugar que não têm holandês como língua, mas sempre é chato.
— Você devia se interessar por alguma coisa, Aurora. — Ha. — Tem várias coisas aqui e você sabe disso. — Ha. — Ficar emburrada não vai mudar nada. — Ha ha ha. Murmuro um "Aham, pai" e caminho até uma saleta cheia de sofás, me sentando em um deles. Se tem uma coisa que eu aprendi nesses anos foi que "Aham" é resposta para tudo. Concorda? "Aham". Discorda? "Aham". Não ouviu? "Aham". É uma maneira universal e disfarçada de dizer que eu não ligo e nem pretendo ligar.
Felizmente, vejo que colocaram tanto o meu teclado quanto o meu piano nessa salinha, o que significa que pelo menos eu posso tocar em paz aqui. Na última casa, Roma, o piano ficava no meio da sala, ou seja, ninguém deixava eu tocar em paz. Na penúltima, São Petersburgo, era ótima. Os quartos eram espaçosos e o terceiro andar da casa era só meu, o que implicava em ficar longe dos meus pais e de qualquer coisa que pudesse me estressar, basicamente tudo.
Subo até meu quarto que, ignorando as caixas espalhadas pelo chão, já está bem arrumado e pronto para eu dormir. Odeio o clima frio desse lugar. Preferia mil vezes morar em algum lugar tropical aonde eu tivesse que cortar o cabelo no verão e andar de biquíni por aí. Chego até a ouvir os comentários que meus pais fariam se eu os dissesse isso."Não seja tão pessimista, Aurora.", "Nada nunca é bom pra você, menina". Só de pensar já reviro os olhos. Meu celular apita, e o visor indica que eu recebi uma mensagem.
"Gostou da casa nova, Aurora?"
"Achei bonita. Só"Respondo para Pietro, e me dói saber que daqui a alguns meses, um ou dois no máximo, Pietro vai ter arranjado outra amiga e eu algum outro amigo aqui e então vamos ir parando de se falar até nossa amizade se tornar uma memória. Isso sempre acontece, sem exceções. Só me resta aceitar, eu acho. Aconteceu com a Kira, com o Oliver, com a Lyna, Niels, Anelise e mais uma infinidade de pessoas que já foram meus amigos. Acontece, não é novidade. Odeio ter que passar por isso de novo. Abomino, detesto, repugno. Eu venderia minha alma para o diabo para não ter que me mudar nunca mais.
Queria que a vida fosse um filme e eu pudesse apertar o botão de passar bem rápido, passar esses dois últimos anos de escola (e de prisão), me livrar dos meus pais e da droga de agência de turismo deles, ser livre e poder morar em um lugar só até eu morrer. Só mais dois anos. Dois anos não são nada para quem já viveu assim durante 15.
A campainha soa, um barulho até agradável comparada a antiga. A região, Bloor West Village também é agradável, não posso negar, mas não melhora muito o fato de eu ter me mudado. Minha mãe atende a porta e ouço apenas sons abafados vindos da conversa animada dela com uma mulher que é aparentemente nossa vizinha. Olho pela janela e a vejo chamar de dentro de casa um menino, cujo qual rosto não consigo ver, e uma garota aparentemente mais nova.
— Aurora! — minha mãe grita e, como eu não vou descer lá nem fodendo, finjo que estou dormindo. — Ela deve estar dormindo, tivemos um longo dia. — A ouço responder.
Minha mãe sempre foi boa nisso: fazer as pessoas gostarem dela. Mesmo que alguém não concorde com ela, ela é tão convincente que faz qualquer um virar a casaca. Não é como se eu odiasse ela, mas simplesmente não tenho paciência para lidar com a figura.
Observo o menino voltar para sua casa, agora de frente para a minha janela, e admito: Ele é gato. Não gato do tipo jogador de basquete pegador, mas gato do tipo que faz os outros pensarem "Wow, por que exatamente a gente ainda não namora?". Sinto falta de Pietro. Não achei que sentiria tanto dessa vez, realmente esperava que com o tempo eu fosse me acostumar com a ideia de me mudar sempre, mas se tem uma coisa que nunca muda é isso. Saudade não passa. Mesmo. Não posso fazer muito além de chorar e sofrer até aceitar o fato de que não vou mais vê-lo, e que isso provavelmente vai se repetir outras vezes. Sinto vontade de ir até a casa ao lado, falar com o vizinho como uma pessoa normal, mas ao pensar em Pietro e em como eu o deixei para trás e em como isso vai se repetir uma hora ou outra, simplesmente me deito.
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365 (só)is
RomanceMudança sempre foi algo rotineiro na vida de Aurora De Vries. Mudando-se de cidade em cidade, país em país, a menina vivia cercada de exemplos do ditado popular que mais se encaixava com ela: "Tudo o que é bom dura pouco". Sua vida, moldada em cima...