Nova Deli, India, 2116
O brilho do maçarico iluminava a máscara de metal, em meio à baixa iluminação da oficina. Montes de sucata e carcaças se espalhavam pelo lugar, encomendas a serem feitas e outros instrumentos que em breve seriam utilizados. Por conta das janelas encostadas, o ar abafado em meio à primavera indiana se acentuava por conta da temperatura da solda.
Pragya bufou, levantando a maácara e se erguendo do skate em que estava apoiada para fazer a manutenção do grande veículo. Foi calmamente em direção ao portão da grande garagem, que estava aberto, para refrescar-se após alguns bons minutos passados perto do calor. Com o pano encardido em seus ombros, limpou as mãos cheias de graxa e apoio o corpo em um dos pilares da entrada, admirando a vista.
A oficina de seu pai encontrava-se na periferia do grande centro humano da capital, em uma elevação do relevo que permitia a visão dos prédios se erguendo alguns quilômetros a distância, logo após uma sequencia de casas das mais diversas classes sociais. Por conta do sol forte do meio dia, seus raios refletiam nos enormes edifícios e suas vidraças, dando um aspecto quase cromado ao centro.
Ela ficou ali observando por um tempo, alongando os músculos para mais uma rodada de sondagem. Tinha que entregar aquela caminhonete em perfeito estado até a noite, ou quem sofreria as consequências seria seu pai. Ele e ela eram um dos muitos mecânicos que trabalhavam para a Nova Coligação, não por vontade própria, é claro. Era a condição que evitava que ela fosse morta e seu pai, expulso para as favelas não-humanas, além dos enormes muros que separavam as duas realidades.
Pragya, aos 11 anos, sofrera um grave acidente na oficina, que resultou na perda do braço direito e a perna esquerda, sendo substituídos por próteses robóticas, feitas por seu próprio pai. Dessa forma, não eram exatamente as próteses mais bonitas do mercado, afinal foram feitas com peças da própria oficina: uma série de cabos de aço substituíam seus músculos, interpostos por placas de metal nas articulações, que emitiam a quantidade suficiente de corrente elétrica para sua contração; além disso, outras placas foram fixadas por cima, para proteção; No ombro e quadril, onde a prótese se fixava, linhas de metal infiltravam na pele como raízes. Por conta dessa característica, ela era vista como uma "humana suja", e não merecia andar entre os puros nem ser tratada como um. O que a salvou foi a habilidade de seu pai, que conseguiu um acordo com os oficiais para mantê-la ali com ele, e faria todos os reparos que fossem necessários nos veículos e armas do governo.
Com o passar do tempo a jovem, agora com 19 anos, aprendera as técnicas que precisava, e era tão eficiente quanto o mecânico, senão mais, assumindo a maioria dos trabalhos braçais mais difíceis, para poupa-lo de muito exercício. Por isso naquele dia ela acordara antes mesmo do sol nascer, e fez questão de adiantar boa parte do conserto do veículo.
"Almoço pronto, querida." O velho apareceu, a voz grave chamando atenção da mais nova, que se virou em sua direção.
"Obrigada papa, já vou. Só tenho que acabar mais algumas coisas aqui" Voltou a deitar no skate, indo para baixo da caminhonete, o maçarico começando a brilhar novamente.
"Como está aí?" Ele se aproximou, sentando em um banco próximo.
"Quase terminando essa solda, e ele estará pronto pra entrega." As habilidades da filha, tão parecidas com as dele, o enchiam de orgulho. Ele gostaria que ela pudesse ter tido a chance de cursar uma faculdade, ter um futuro melhor, porém sabia que com o acidente aquilo não seria mais possível. Ravi carregava a constante culpa pelo que acontecera, já que devido a um descuido dele com a manutenção do lugar, o incidente levou não só partes de sua filha como também a vida da esposa. Ele, mais do que nunca, sentia-se na obrigação de protegê-la e dar tudo que pudesse para vê-la feliz e segura.
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Cyberpunk Chronicles
Bilim Kurgu"É a combinação entre cibernética e punk, descrevendo um lugar controlado por tecnologias de informação num ambiente de dominação ou destruição da sociedade, da revolta de seus cidadãos e da degradação do estilo de vida. As sociedades sao marginaliz...