CAP 1 - Eu te conheço?

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  Essa história poderia ser de qualquer pessoa, mas se o destino quis que fosse minha, assim está sendo. Me chamo Joalin (Viivi Sofia) Loukamaa, minha mãe diz que o nome grande é pra combinar com toda minha curiosidade por tudo que me deparo por aí. Todos meus dias, por incrível que pareça, eram quase iguais. Eu ia para a escola de dia, passava na casa de Sabina (guarda esse nome porque ele ainda vai aparecer) para que ela me ajudasse em algum dever de casa que eu não entendia – sim, sempre tinha um – e em seguida ia até a incrível e mofada loja de bugigangas da dona Margô (Margareth, para os não-íntimos), que eu conhecia desde meus 6 anos de idade. Minha vida era como uma rotina que eu tentava animar para que mudasse, mas no meio de tudo isso eu achei apenas uma maneira de relaxar: colecionar relógios. Parece ingênuo e engraçado, mas isso foi o que me trouxe pro perrengue que eu estou presa nesse momento, mas mal sabia eu que aquele era o menor dos problemas... A cena era a seguinte: estava eu, como de costume, afoita* pedalando minha magrela* pelas ruas vazias da cidade para chegar na loja de Margô antes que ela saísse para seu chá da tarde, quando de repente um carro absurdamente grande e preto surgiu na minha frente, o que me fez acabar batendo no capô e cair da bicicleta. Estava pronta para levantar em protesto – e com um cotovelo ralado – para seja lá quem estivesse dentro daquele transformer desejasse nunca ter nascido.

— É sério? Não sabia que logo nessa cidade o prefeito permitiu a venda de carteiras de motorista ilegais. — bufei levantando minha bicicleta enquanto terminava de atravessar a rua, foi quando quem eu menos esperava saiu do carro.

— E eu também não sabia que logo nessa cidade existiam garotas meio malucas que pedalam por aí sem nem olhar se o sinal está aberto. — o rapaz cruzou os braços me encarando.

  Ele era Noah Urrea, nunca soube se esse era mesmo o sobrenome dele ou se era nome artístico. De qualquer maneira, aquele projeto de Elvis Presley era o que chamavam de febre teen, não existia UMA amiga minha que não fosse completamente apaixonada por ele. Já eu, de tão positiva e bem humorada com tudo, senti que meu santo não batia com o dele de maneira alguma.

— Se não estivesse por aí penteando esse seu... Isso daí — gesticulei indicando o topete bagunçado do garoto —, não teria atravessado o sinal fechado, senhor Noah Sabe Tudo. — eu estava certa mais uma vez, e foi quando montei em minha magrela novamente, estava prestes a ir embora quando ouvi a voz do garoto me retrucar mais uma vez.

— Eu te conheço menina? Ah... Já sei. — olhei para trás e pude ver ele tirar uma caneta do bolso — Você é uma fã? Quer um autógrafo e por isso entrou na frente do carro?

  Só pode ser brincadeira que ele falou isso né?!

— Joalin Loukamaa, pra sua alegria, e vá se ferrar. — foi a última coisa que disse e segui meu caminho.

Noah On

  Eu estava acostumado com tudo, menos com uma rejeição de uma garota adolescente. Aquela maluca tinha atropelado meu carro e achou que podia sair ainda me ignorando? Totalmente errada. Me enfiei dentro do carro novamente e guardei o pente no porta-luvas, prestes a seguir aquela atrevida de maus modos.

— Ah Noah... Você anda mole demais, deixando uma garota tratar você assim? Tsc tsc... — falei para mim mesmo e assim que a mesma para na esquina de uma loja, acelerei o carro aos poucos até conseguir ter boa visão da fachada do estabelecimento. — Bugigangas? A galera desse lugar fica cada vez mais patética. — soltei um riso nasal e retomei o caminho que fazia até a gravadora.

Noah off

  Meu cotovelo ainda doía e assim que cheguei na loja da Margô, larguei minha bike na frente da mesma, entrando sem ao menos avisar que eu estava ali. Fui até a grande e velha poltrona que ficava ao lado do candelabro de bronze e respirei fundo olhando para os lados, nem sinal de vida. "Talvez ela tenha ido até à padaria do seu Manuel", pensei.
  Tornei-me a levantar e caminhei entre os pequenos e sufocantes corredores cheios de tralhas que Margareth jurava que algum dia venderia. Iam de pares de brincos até vitrolas, e falando nelas, os discos de vinil ficavam bem ao lado. Comecei a contá-los, tinham 36. "Da última vez eram 35", pensei mais uma vez e antes de pegar o novo (se é que poderia ser chamado assim) disco da prateleira, senti uma respiração atrás de mim.

— É um do Elvis Presley, minha filha. — a senhora tinha murmurado e, consequentemente, me assustado.

— DONA MARGÔ!!! Que susto, isso não se faz, a senhora sabia que eu tenho problemas de coração? — brinquei respirando fundo e a abracei, percebendo que segurava um esparadrapo e alguns algodões.

— Aonde você se machucou mocinha? Venha, deixe que eu cuido disso.

  Eu não faço ideia de como ela tinha visto meu ralado, mas cada vez que ela sabia de algo que eu não tinha contado, reforçava minha ideia sobre ela ser algum tipo de feiticeira.
  Passamos algum tempo ali, tomando um chá que ela tinha feito e conversando sobre as coisas novas que ela tinha trazido para a loja, como um vestido rodado de poá cor de rosa, parecia ser um daqueles de baile nos anos 50.

— Você deveria prová-lo algum dia. — ela disse sorrindo enquanto olhava para a roupa pendurada em um cabide de madeira.

— Eu poderia mesmo... Mas sabe, acho que tem alguma outra coisa aqui que combina mais comigo, não? — indaguei sugestiva, pois ainda lembrava que Margô tinha me prometido que traria um relógio de bolso de edição limitada na época dela para complementar minha coleção de relógios.

— Bom, acho que sim... Fique aqui. — ela sussurou coçando o queixo e se levantou da cadeira de balanço indo para os fundos da loja.

  Ela nunca gostava que eu fosse para trás do balcão ou para os fundos da loja, ta aí mais um motivo pra achar que ela era uma feiticeira. De toda forma, dei de ombros e peguei minha xícara de chá, dando um grande gole no mesmo enquanto esperava a senhora voltar.

— Aqui está... — ela surgiu pela cortina de miçangas com uma caixinha em mãos e uma teia de aranha nos cabelos, o que me fez rir mas eu me ergui para limpar os fios grisalhos da mesma.

— Ai... Muito obrigada, eu passei a semana inteira pensando nisso, a senhora nem tem noção! — peguei a caixinha e logo a abri, notando que o relógio tinha mínimos detalhes que o faziam ser único e especial, eu nunca tinha ganhado nada parecido em toda minha vida.

— Ele foi da minha tataravó... E passou pra bisa, pra avó, pra minha mãe, pra mim e agora é seu minha querida. — ela sorriu percebendo em como eu tinha ficado animada com aquilo.

  Agradeci mais uma vez o presente mas quando estava para me despedir, recebi uma ligação de meu pai, que parecia bastante aflito e me pedia para voltar para casa o mais rápido possível.

***

  Soltei a bicicleta no jardim e subi os batentes de casa correndo, abrindo a porta de casa e dando de cara com meu pai nervoso na sala.

— Ah meu Deus, quem morreu? — olhei assustada para o mais velho.

— Filha... Você não viu o carro preto lá fora? — meu pai perguntou passando a mão na testa e eu me estiquei até a janela abrindo a cortina. Tinha passado tão rápido que nem havia notado o mesmo transformer de mais cedo na porta da minha casa... Ah não.

  O tempo que eu tive foi o de me virar, quando vi Noah Urrea voltar da cozinha conversando freneticamente com minha mãe.

— Ah, aí está ela! — minha mãe me apontou e Noah sorriu confirmando com a cabeça.

— Olá, Joalin.

— Eu te conheço?

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*afoita: apressada, ansiosa

*magrela: gíria para bicicleta

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