* Capítulo Um *

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 Ainda chovia e parecia ser madrugada, mas o som dos avós no andar abaixo acordava o jovem. O velho resmungava mancando com sua perna de ferro e a senhora cantarolava abrindo a porta dos armários, mexendo nos potes de vidro. Os pingos desenhavam um rastro de sombra em seu rosto, agora olhando pela janela, o lago dançando em cada gota que invadia sua imensidão. Olhar por ali, hoje, era diferente. A mesma janela, o mesmo lago Ness, a mesma casa no topo da mesma colina, mas a rotina era diferente. Dias antes uma coruja havia interrompido o café da manhã, trazendo uma carta, depois de tantos anos em que nada se destinava ao menino. Era de Hogwarts, a tão conhecida escola de magia e bruxaria, suas aulas estavam prestes a começar e convocavam sua presença, agora com seu décimo primeiro aniversário.

 É o fim de agosto, o sol deveria amenizar o clima desregulado escocês, o frio era para ser menos radical, deixa-lo animado para sair da cama, mas parecia não querer dar trégua. A avó havia prometido leva-lo para comprar os materiais o mais breve possível, apesar do garoto não sentir tanta emoção quanto ela sobre ir para a escola. Mas como poderia não ser ofuscado pela fama dos dois lufanos tão conhecidos. Uma mestra em poções e um duelista de movimentos rápidos.

O perfume do buttery entrava no quarto, o sinal que faltava para levantar. Desce da cama, caminha até a porta e chega à escada, que range com seus passos, no fim encontra a velha senhora, cabelos grisalhos ondulados e um avental surrado por cima do vestido florido, ela sorri com sua chegada e deposita a tigela de doces no centro da mesa, o sorrio generoso estampado no rosto e os olhos verde-grama davam bom dia.
- Philip, bom dia. Como passou a noite?
- Normal. – puxa a cadeira – Pode me passar um pouco de leite?
Dá as costas, enchendo um copo. Ela olha pela janela, para a chuva regando seu jardim. Se senta de frente para o jovem, cruzando os dedos sob a mesa.
- Seu avô foi alimentar os animais, pediu que você fosse ajuda-lo assim que terminar o café. – sorri – Ele está animado desde que você foi chamado para estudar em Hogwarts... Mesmo que não pareça, eu sei disso.
Ele sentia o estômago contorcer e a garganta se fechar. Philip era um jovem tímido, acuado e de pouquíssimos amigos. Desde sempre ouviu os grandes feitos de seus familiares na escola, sabia que tinham muita esperança nele.
- Eu também. – mente. Dá mais uma mordida no doce, enchendo toda a boca, junto com um último gole de leite para ajudar. Agradece a avó balançando a cabeça, calçou as botas e se cobriu com um casaco, escancarou a pequena porta de madeira e o vento leve e frio invadiu a cozinha. O casebre de pedra construído próximo ao topo da colina, onde moravam, era protegido por magia, afastando qualquer intruso que tentasse se aproximar. Por fora, sua aparência frágil e compacta parecia não aguentar uma tempestade, porém seu interior era mais espaçoso e bem mais estruturado que qualquer outra coisa que Philip já vira. Cozinha espaçosa, sala confortável, banheiro e um quarto para os avós, no segundo andar estavam o quarto do jovem e mais um de hóspedes. Subindo um pouco mais a colina, a chuva agora mais fraca molhando seu rosto, o avô alimentava um grupo de fadas agitadas acima de sua cabeça. Ao vê-lo, o velho arremessou um punhado para o alto e elas voaram.
- Esse. – entrega um balde grande para o garoto, repleto do que parecia ser carne crua, e foi mancando até a beira da colina, onde a vista dava para o enorme lago Ness, uma imensidão escura que refletia as nuvens carregadas.
Ele junta as mãos próximas à boca e produz urros grotescos. A água se remexia e um pescoço escamoso, comprido e esguio alcança os dois, a cabeça do réptil cheia de dentes afiados e olhos vermelho vivo olhava-os. Aproxima o nariz e o homem encosta o rosto de barba grisalha, acariciando.
- Soube que estão chamando ela de Nessie. – se aproxima.
- É bom ter um nome. – pega um pedaço do balde – Ainda não sei que tipo de espécie ela é. Mesmo assim, me descuidei da segurança e os trouxas acabaram vendo você. – arremessa – Menos mal que os boatos não ganham força por aqui.
Mais um carinho e a criatura mergulha novamente. Os dois voltam para a casa, a avó terminava de limpar alguns caldeirões. Parecia indignada com algo, se mexendo de um lado para o outro fazendo as ondas de seu cabelo saltarem.
 - Mais um sumiu. Não o encontro em lugar nenhum. – entristece.
 - Outro caldeirão? – pergunta Philip.
 - Tenho certeza de que são aqueles vizinhos do outro lado da colina, já vi o que eles fazem com coisas que acham ser de bruxas. – ela olha furiosa pela janela.
 O avô tosse, se despindo das roupas pesadas e se acomoda na poltrona vermelha e surrada no canto escuro da sala, próximo à enorme lareira de pedras. Philip pendura novamente o casaco.
 - Vó, eles são trouxas, não sabem que estamos aqui. Estamos protegidos, lembra? – ele se aproxima.
 - De qualquer forma, eu preciso daquele caldeirão. – ajeita seus fios desalinhados, recobrando seu perfil gentil e meigo – Ele era ótimo.
No mesmo instante, um gato acinzentado salta pela janela até a mesa. Era Hamish, costumeiro visitante da casa.
 - Perfeito! – alegrou-se ela – Felifors. – aponta a varinha para o animal que rodopia se transformando em um sólido e imóvel caldeirão.
 - Mas, eu tinha pensado em leva-lo para a escola.
 - É temporário. – sorriu. Pendurou-o juntamente com os outros caldeirões, guardou a varinha no bolso do avental novamente e adentrou em seu quarto.
Ele olha para o avô, de cara fechada olhando para o fogo trepidante na lenha negra que se desfazia. E assim se seguiu o restante do dia, a avó contava suas histórias de Hogwarts sempre que surgia uma oportunidade, e Philip fugia quando possível, já que havia deixado algumas roupas e uns livros separados, à medida que o sol foi se pondo, o jovem desceu silenciosamente quando percebeu que os avós já haviam dormido, estava sem sono e num lampejo, recordou de uma das histórias que eles liam para ele quando pequeno. Sabia que estava em algum lugar da estante, tateando os dedos, até a capa dura e avermelhada gasta, no final da fileira, um escudo estampado.
 - Hogwarts: Uma História... de Batilda Bagshot. – jogou-se de pernas cruzadas no chão, com a ajuda da luz da lua que entrava pela janela, ele se envolveu com o conto, assustado que com o frio a ansiedade subindo pela espinha.

Philip Fellineye e o Caçador de MemóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora