01. Prólogo

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Quando ela chegou, ela estava cinza.

Eu odiava cinza.

Ela não estava cinza porque decidira acordar e vestir uma peça de roupa cinza naquele dia. Não estava cinza porque seu cabelo era cinza, afinal, ele não era. Não estava cinza porque um balde de tinta cinza caíra nela, nem porque haviam cinzas espalhadas pelo seu corpo. Não, não era esse cinza.

Ela estava cinza, porque era cinza.

E eu odiava cinza.

Eu tomava um gole do meu capuccino, marrom claro e quente, recém comprado da cafeteria verde que ficava na esquina da rua do colégio azul claro com a rua de casa, que era turquesa.

O gosto era semi-divino, deixando aquele dia sem graça com pinceladas de seu marrom claro. Eu gostava do frio, mas eu odiava seus tons cinzentos. Logo, era mais que meu dever deixar meu dia frio numa escala cromática quente.

E então ela passou por mim.

No exato segundo que fitei seu rosto, senti o capuccino congelar, perdendo completamente sua doçura e sua cor de café. Contrariada, engoli o que estava em minha boca, constatando a total falta de açúcar.

Mesmo parte de mim não desejando fazer isso, abri a tampa do copo. Substituindo o marrom claro, ensolarado e gentil de antes, havia um café concentrado, escuro e amargo. Fiz uma careta.

Subitamente, senti a primeira brisa fria desde que acordara. Minha barreira protetora contra o cinza havia sido derrubada, e eu não poderia estar mais angustiada.

Fechei o copo, repousando-o na mesa do refeitório à minha frente. Eu amava aquelas mesas. Elas eram pintadas de preto, já de fábrica, mas cada aluno que por ali passava sempre deixava sua marca em alguma delas.

A mesa à minha frente estava decorada com riscos, provavelmente feitos com uma lâmina, que juntos formavam um conjunto de planetas e estrelas orbitando uns aos outros.

Sem poder tomar meu café, comecei a esperar pacientemente minhas melhores amigas aparecerem para conversarmos antes da aula.

Os desenhos na mesa me hipnotizavam e convidavam-me a passear por eles. Por mais que fossem rabiscos simples, nunca se saberia o que se esconde entre os mesmos, quais histórias guardam.

Eu gostava do preto espacial, da sensação de infinito. Eu gostava do branco do brilho, que iluminava uma pequena parte do espaço.

Mas eu odiava o cinza.

Estava perdida em devaneios quando escutei o baque. Virei-me para a origem do som, encontrando uma garota, provavelmente mais alta que eu, tentando se levantar do chão.

Rapidamente ofereci-lhe ajuda, e o toque de sua mão na minha enviou alertas de perigo por toda a minha coluna. Era aquela mesma garota cinzenta. Assim que estava de pé, tratei de quebrar o contato físico.

– Me desculpe, me desculpe – curvou-se lentamente, fitando o piso – É meu primeiro dia, eu estou um pouco nervosa. Me desculpe por atrapalhar seu café da manhã.

Ditas tais palavras, ela pegou sua mochila preta do chão e foi embora, à passos rápidos e sem olhar para trás.

Assim que seu cinza me abandonou, eu tive a certeza de que ela seria a pessoa que mudaria a minha vida. Para o bem ou mal, isso eu iria descobrir.

Olhei para o lugar em que ela havia tropeçado anteriormente, e ali havia uma pelúcia pequena de lobo. Muito provavelmente havia caído de sua mochila com o baque no chão.

Me agachei e peguei-o, analisando sua pelagem acinzentada e seus olhos amarelos. Era apenas um lobo sentado, com a cabeça um pouco de lado e orelhas em pé, e apesar de amarelo ser uma cor alegre, seu olhar parecia melancólico.

Por uma questão de ética, eu decidi devolver a pelúcia à dona.

Eu odiava o cinza.

E ali eu estaria abrindo uma porta para o cinza entrar em minha vida.

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⏰ Última atualização: Mar 25, 2019 ⏰

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