De longe Heitor conseguia ouvir a música tocando, parando por alguns segundos na frente do teatro para apreciar as luzes refletindo para fora do céu. O homem estranhou assim que chegou na bilheteria, estava tão vazio.
-Ora que anormal, ultimamente não tem mais fila para entrar, o que será que está acontecendo com as pessoas hein?! Um espetáculo como esse não deveria estar vazio. Uma beleza, não acha? -Disse Heitor com seu balde de pipoca nas mãos.
-As pessoas vem se esquecendo de como a arte é importante. Ela assusta os jovens. -Respondeu o bilheteiro, logo após soltou uma risada.
Heitor sorriu e se afastou da cabine vermelha e adentrou as portas de madeira, descendo a rampa que dava para seu assento, o local era iluminado por pequenas lâmpadas que simulavam chamas ao longo do teatro. Ao sentar, o homem começou a apreciar o ambiente sorrindo.
Era clássico, com as grandes cortinas vermelhas indo do teto ao chão, as poltronas todas fechadas esperando um apreciador de arte tomar seu lugar, havia os lugares altos, claro, para os importantes que usavam binóculo e gastavam sua fortuna em lugares VIP. Um lustre gigantesco pendia no teto e suas correntes eram visíveis, contudo, davam ao lugar um tom de elegância; o palco era monumental com suas velas acesas ao longo da beirada e suas cortinas escondendo a correria do camarim.
As pessoas começavam a chegar e ocupar seus assentos, todos numerados. Os ricos vinham de terno e vestidos extravagantes, enquanto os mais simples, como Heitor, vinham de jeans e camiseta social com um sapato. O homem balançou a cabeça para espantar esse pensamento elitista e a inveja que sentia daqueles que possuíam som privilegiado, como os que se localizavam no camarote acima do palco.
Quase que simultaneamente, as pessoas se sentaram e as luzes começaram a diminuir sua intensidade, a cada milésimo de segundo uma luz se apagava aos poucos e os murmúrios iam se acalmando até cessarem de uma vez por todas.
As palmas eclodiram assim que as cortinas começaram a se afastarem e Heitor, empolgado como estava, batia palmas freneticamente derrubando pipoca em todo o assoalho. A peça chamava-se spektakl okonchen.
Era a história de um rapaz russo que fazia as mesmas coisas todo dia, assistia os mesmos filmes e ouvia as mesmas músicas, porém ele não se lembrava no outro dia. Sua vida era um ciclo onde ele estava incapaz de sair e todos ao seu redor, de ajudar. Seu nome era Serguei. A peça poderia parecer até repetitiva aos olhos dos impacientes, mas aos de Heitor era fascinante. Ele enxergava pontos chaves em todas as cenas e anotava-as para tentar adivinhar o final de Serguei, e todos os dias prometeu voltar no próximo para assistir o final e descobrir se sua teoria de que o homem estava enlouquecendo era real.
Ao final do segundo ato, o caderninho de Heitor estava todo rabiscado com teorias e sua pipoca estava no fim, seu cérebro estava a mil e o espetáculo no seu ponto crucial, Serguei tinha finalmente começado a perceber que havia alguma coisa estranha com a sua vida, tudo parecia monótono e isso estava incomodando-o.
Subitamente Heitorolha ao redor, assustado. Todas as pessoas do teatro encontram-se imóveis, nãohavia barulho e a luz do palco iluminava fracamente o rosto de todos ali. Haviaalgo de cadavérico naquelas pessoas. O homem sente seu corpo arrepiar-se e suasmãos tremerem, contudo antes que ele pudesse se levantar, aplausos irradiam etodos que antes eram cadáveres, sorriem e jogam flores no palco. Heitor sejunta à multidão e esquece o que acabara de ver.
A peça chega ao fim e o homem da fileira 4 e cadeira 15 se levanta, pedindo licença para poder se retirar. Estranhamente ninguém ali faz o mesmo, porém Heitor não se importa e sai com sua pipoca e seu caderninho, ansioso para voltar no outro dia e ver o final do espetáculo.
Infelizmente, para Heitor, ele não assistiria o fim da peça.
Ele faz um gesto com a cabeça se despedindo do bilheteiro e segue seu rumo, indo em direção ao lado esquerdo da Rua.
Quê rua?
A Rua Quatro. A rua do teatro incendiado um mês atrás. O único teatro da cidade, que exibia a peça "O Espetáculo Acabou". Onde morreram cento e vinte pessoas. Inclusive o homem da cadeira quinze da quarta fileira.
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O Espetáculo Acabou
Short Story"De longe Heitor conseguia ouvir a música tocando, parando por alguns segundos na frente do teatro para apreciar as luzes refletindo para fora do céu. O homem estranhou assim que chegou na bilheteria estava tão vazio. -Ora que anormal, ultimamente n...