Falo com estas paredes
Elas, misteriosas, dissimulam o mundo lá de fora
Carregam suas cicatrizes, suas rachaduras, suas manchas de bolor e de velhice
Tenazes, irredutíveis
Incorrigíveis em sua teimosia
Converso com este forro de tábuas de madeira
Que segura, zeloso, o soquete das lâmpadas e lustres
Protetor dedicado, consagrado fielmente à sua tarefa
De resguardar da chuva e dos ventos gelados
Um dedicado cumpridor de deveres, esse telhado
Olho para a fruteira e as frutas de cera
De cascas vermelhas e amareladas
Gordas de sumo e polpa
Mas estéreis de semente e de sabor
Essas frutas artificiais são artistas que não reclama figurino
Miro as janelas, no fundo de seus olhos de vidro rugoso
As janelas vislumbram o horizonte bem longe, para além dos muros
Mas só veem, não julgam nem desdenham
Perscrutam com a paciência de seu olhar clínico
As janelas conquistaram a sabedoria de ver sem julgar
Fito a tela prateada e elétrica do computador
E as imagens de seus pensamentos que não param de fulgurar
Velhas ideias com novas ideias, tela que se cobre de tintas
Sem reclamar pincel; e ele nunca duvida, e não mastiga preconceitos
Longe das neuroses, o computador tem a cabeça boa
Contemplo as plantas sem nome, germinando em latas de óleo
Mas essas ervas daninhas não resmungam da falta de luxo
Do húmus simples e da água pura que as alimenta
Basta uma moeda, a moeda do sol
Para essas humildes meninas selvagens
Deito os olhos nesta caneta
Cheia de vida e de cargas de azul
Convida a letras, a traços, a desenhos, a garatujas, a arabescos,
Dança no papel por cima de seu pé de metal
Penso que talvez a caneta tenha mais ânimo do que eu mesmo
Vejo a lamparina em sua última chama
Brilha num esplendor maravilhoso de laranja
Flameja sem se enfurecer, como as asas dum serafim
Enchendo a sala tal comoo estrondo das clarinetas dum arcanjo
Há graça, beleza e milagre no fogo dos lampiões
Saboreio o doce sírio de goma com açúcar cristal
Doçura, suavidade e deleite
Enchem a boca já inundada de saliva
E fazem suspirar
Nunca vi uma goma mais cheia de amor como essa
Mas horas correm; saio para visitar as pessoas e os transeuntes
Se pergunto algo, ignoram
Se reclamo, tapam os ouvidos
Se agradeço, deixam a voz se perder no ar
Se agrido, devolvem o desprezo
Se ignoro, fazem-se de espelho
Enquanto as pessoas inanimadas se paralisam
Os objetos animados continuam a gargalhar
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O ALAMBIQUE FANTASMA e outros poemas
Poetry"O ALAMBIQUE FANTASMA e outros poemas" é uma antologia de poemas (escritos em sua maioria de 2012 a 2014, além de alguns de mais de dez anos atrás) da autoria do poeta José Marcelo Siviero (1984-). São poemas que versam principalmente sobre o tema d...