Prólogo

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Aos sete anos, enquanto as outras crianças faziam amigos no primeiro dia de aula na sala barulhenta e a professora Charlott explicava, em um tom ameno, sobre a extraordinária teoria relativa do universo, eu perdi a visão.

Eu era o que as pessoas costumavam chamar de "uma em um milhão".

As chances de perder a visão eram extremamente pequenas, assim como ser atingido por um raio, morrer da queda de um fragmento de meteoro ou encontrar um trevo de quatro folhas. Mas fui agraciada pela grande dádiva do universo com a LHON. Uma doença genética causada por mudanças no DNA mitocondrial, que afeta principalmente o sistema nervoso central e os nervos ópticos. Embora essa condição geralmente se manifeste na adolescência ou por volta dos vinte e poucos anos, em casos raros ela pode aparecer na infância.

Perder a visão aos sete anos não foi algo tão sofrido para mim. Apenas me conformei. Não parecia certo me martirizar. Foram incontáveis idas ao círculo infantil de terapia intensiva, onde o grupo era formado por médicos e várias famílias com várias questões psicológicas desencadeadas pela maldita doença.

Era sempre a mesma ladainha, histórias de superação sobre pessoas que viviam suas vidas normalmente e a conversa de que tudo ficaria bem.

Papo furado! Ninguém ficaria bem sem enxergar.

Nesse círculo, conheci um garoto chamado Chan. Ele espirrou ao meu lado enquanto esperávamos nossa vez na sala do consultório para participar do desabafo em conjunto. Puxei assunto e conversamos por alguns minutos. Seu pai também se chamava Chan, e ele havia perdido a visão um pouco antes de mim.

Chan e eu não tínhamos muito assunto para conversar, mas passamos cerca de dez minutos discutindo sobre nossa doença. Uma disputa interminável para determinar quem era o mais cego ou quem sofria mais tentando se adaptar ao mundo sem enxergar nada. Chan saiu vencedor. Afinal, ele teria que remover um globo ocular e viver para sempre com uma prótese de vidro no lugar do seu olho esquerdo.

Por longas semanas o garoto e eu fomos a companhia um do outro. Até que um dia nunca mais ouvi a voz de Chan, e nós não voltamos a conversar. Sempre tive a dúvida sobre porque ele se chamava Chan, assim como o pai. E como seria viver com um globo ocular falso.



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