Eu costumava não conversar com eles. Nem fazia questão de fazer isso. Eles não me interessavam. Não mesmo.
Minha rotina era básica. Acordava cedo, tomava café da manhã, arrumava meus materiais escolares, frequentava o inferno por pelo menos, umas seis horas do dia e voltava para casa. Meu pai me dizia que o ideal era não fazer amizades. O correto era permanecer desconectada. Eu sabia (tinha uma vaga ideia) que eles - os estudantes da escola que eu frequentava - me achavam estranha. Talvez um bicho do mato inacessível ou alguém muito fora da curva, uma anormal para ser mais exata.
Eu não tinha amigos. Isso era extremamente desnecessário. Me apegar ao mundo dos homens era algo inconcebível para a nossa espécie. Meu pai me contou que muitas garotas como eu se rebelaram no passado. Eu sabia que isso poderia acontecer. Não era surpresa para nós. Algumas delas, faziam amizades, se apaixonavam. Algo extremamente perigoso devido ao nosso futuro reservado.
— Nossa espécie está ameaçada. Muitas se rebelaram no passado e o único salário disso foi a morte. Uma morte muito penosa – dizia meu pai, sentado em sua mesa preferida da sala de estar.
— Me explica melhor – eu queria mais explicações, claro.
— Tudo bem — Meu pai se ajeitava na cadeira da forma brusca de sempre e começava a narrar todas as histórias que ouvia do Reino — Foram no total de três sereias. Elas se apaixonaram por humanos, se recusaram a fazer o ritual de transformação e foram mortas — eu sabia que a voz dele carregava um certo ódio ao falar sobre elas. Era absurdo demais acreditar naquele nível de rebeldia.
— De que forma?
— Primeiro, são torturadas. Depois são mortas. Eles retiram a cauda.
— Ah.
— Não se sinta mal, Yasmim. Me orgulho de você. Sem amizades, sem interesse pelos homens. O Reino sempre me manda mensagens sobre o seu exemplar comportamento, Eles tem muito orgulho da sereia que você será.
— Não tenho interesse. Os humanos são....inferiores.
— Sim filha, a espécie da água é melhor que a espécie da terra. Eles são frágeis. Muito frágeis. São corruptos e maquiavélicos. Assassinam uns aos outros e traem seus amigos e entes queridos. São escórias — Meu pai afirmava isso com a plena convicção de um homem feroz.
— Mas são dominantes. Dominam o planeta.
— Dominam a menor parte. Dominamos as águas. A maior parte.
— Verdade.
— Não é bem assim.
— Não? Mãe?
Uma voz interrompeu meu diálogo com meu pai. A voz mais angelical e suave que já ouvi. A criatura maravilhosa sentou em frente a nós dois. Era o ser mais lindo que eu já tinha visto. Os cabelos ondulados perfeitos que caiam em suas costas, a pele branca feito uma pérola, seus olhos azuis como da cor dos mares. Minha mãe já tinha passado pelo Renascimento e era talvez a criatura mais sábia do Reino das Águas, já meu pai não tinha a devida honraria — e eu sentia que ás vezes, ele não disfarçava o ressentimento por ser "inferior" — ele tinha nascido no próprio Reino. Uma antiga lenda dizia que uma sereia que já tinha renascido, ficava mais linda com o passar do tempo.
Eu acreditava totalmente nisso.
— Uma sereia não morre por recusar o ritual de transformação. Uma sereia morre por deixar que um humano que a descobriu sereia, fique vivo – ela dizia, com toda a graça do mundo.
— Mãe, então essas sereias....
— É óbvio. Quando você ama, segredos não existem. Certamente, essas sereias se apaixonaram, contaram seus segredos e não mataram seus amantes. Sofreram as consequências – Após a fala dela, eu senti como se o ar ficasse pesado no ambiente. Notei que um olhar distante se apossou dos olhos de minha mãe. Não sabia dizer se era apenas divagação ou pena das pobres sereias rebeldes. Era como se ela não estivesse mais aqui conosco e sim, em um universo totalmente distante.
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O Amor da Sereia
Teen FictionEla só tinha uma escolha: o amor ou o mar. Yasmim é uma estudante comum que desde o seu nascimento, guarda um grande segredo dos seus antepassados: ela é uma sereia. Uma sereia de verdade. De acordo com as leis do mar, todas as sereias que completar...