Era uma vez um garoto, um garoto normal, que vivia em Londres com seus pais. Bem eu minto um pouco ao dizer que ele era normal. Este garoto era um poeta. Isso mesmo, um poeta. Ele via poesia em tudo, no farfalhar das folhas das árvores ao vento, no burbúrio da água corrente do Tâmisa, nas nuvens vagando pelo céu. Seu nome era Peter. Ele tinha 6 anos quando conheceu Lisbeth, uma garotinha de sua idade. Foi ela que o fez dar um sentido à sua poesia. Ela o ensinou o que era amor. Aos 8 anos Lisbeth e seu pai se mudaram para longe, muito longe, e Peter achou que nunca mais a veria, mas jurou à ela que nunca esqueceria do seu sorriso e seus olhos azuis cintilantes como o rio mais puro do mundo. Juraram um ao outro que se veriam mais uma vez.
O tempo passou, mas mesmo depois de 10 anos Peter não se esquecera de Lisbeth, e dedicava a ela todo poema de amor que compunha. No seu aniversário de 18 anos ele resolveu viajar pelo mundo, explorar novos horizontes, ir para longe, talvez até encontrar Lisbeth nalgum lugar, quem sabe? Talvez o destino os fizesse cumprir a promessa de tantos anos. Então ele foi. Em cada lugar que passava encontrava mais inspiração, no canto das aves nativas, no sabor das frutas exóticas, nos rostos das pessoas. Ele viajou pelo mundo todo, por quase um ano. Faltava um mês para que completasse 19 anos. Estava perdendo a esperança de rever Lisbeth algum dia. Quando certa tarde... Peter estava em um café na França, era primavera e flores nasciam por todo o canto. Ele estava admirando a cidade quando viu uma garota de costas vendendo flores em uma pequena banca. De todas as flores de todas as bancas, ele achou seriamente que aquelas eram as mais bonitas. Talvez por que eram mais variadas, ou talvez pela florista de cabelos cor de mel que cuidava delas, não... devia ser pelos olhos azuis brilhantes e vivos da florista que realçavam todo o frescor e colorido das flores... Peter divagou alguns segundos antes de se dar conta de que já havia visto aqueles olhos e... aquele sorriso... só podia ser...
- Com licença,- disse ele à florista.- eu quero um buquê de margaridas brancas, por favor.
A florista respondeu, com um sorriso:
- Claro, senhor.- e foi arrumar as fores.- São para alguma namorada?
Ele sorriu:
- Bem, são para um grande amor, sim.
- Ela deve ter sorte... sabe, as margaridas são minhas flores preferidas... acho que as rosas são sofisticadas e belas, mas as margaridas... elas são...
- ...simples e humildes, porém muito mais bonitinhas. Era isso, não?- completou Peter.
A florista quase derrubou o buquê pronto no chão.
- Como... como você... eu só disse isso uma vez para uma pessoa...- ela aregalou mais ainda os olhos.- P-Peter?
- Espero que goste das flores, Lis.
Ela pulou em seus braços chorando de felicidade. Ele a apertou com toda a sua força. Depois de alguns (muitos) minutos, eles se olharam por alguns segundos e se beijaram. Foi um beijo ardente, apaixonado, com a urgência de anos e anos de espera.
- Eu senti tanto a sua falta... - disse Lisbeth.
- E eu a sua... todos os poemas que escrevi... foram pra você... você não saiu da minha cabeça nem por um instante sequer... Lisbeth eu te-
- MAS O QUE É QUE ESTÁ ACONTECENDO AÍ?! - gritou uma voz vinda de dentro da casa atrás da banca.
- Ah, não! - disse Lisbeth, com um pouco de medo misto com raiva na voz. - Vai embora, Peter, por favor.
- O que? Não, eu demorei demais pra te reencontrar. Não vou arriscar te perder de novo. - disse ele.
- Peter, muita coisa mudou desde que nos vimos pela última vez. Eu não posso te explicar agora, me encontre as 2hrs da madrugada desta noite na ponte do rio Sena. Leve suas malas. Agora por favor vá.
Eles ouviram passos se aproximando. Peter disse:
- Tudo bem. Não se atrase.
E saiu dali andando como se nada tivesse acontecendo. No caminho do hotel não conseguia parar de pensar no que poderia estar acontecendo com Lisbeth.
Às 2hrs da madrugada, lá estava ele carregando a mala com todas suas roupas pelas ruelas de Paris. Avistou de longe a silhueta de Lisbeth na ponte. Se aproximou e ela correu até ele e o abraçou. Eles se beijaram demoradamente. Enfim ele perguntou:
- Então... já pode me contar o que tá acontecendo?
Ela olhou para os lados um pouco nervosa. Quando ela virou a cabeça para a direita ele viu um hematoma em sua bochecha esquerda.
- O que é isso?
- Hã? Não é nada.
- Alguém te bateu! Quem foi que foi isso?
- Isso não importa, Peter, vem, nós temos que pegar um trem pra algum lugar, e rápido.
Ela pegou a mala que havia trazido com uma mão, e com a outra pegou a mão dele e o puxou com ela pelas ruas. Ele a seguiu até a estação de trem e entraram no expresso para a Áustria. Já acomodados em um vagão, Peter disse:
- Ok, o dia está sendo um pouco estranho desde que te encontrei. Ou seja, preciso de algumas respostas. Tipo, o que tá acontecendo com você? Quem te bateu? Por que estamos num trem pra Áustria às 2:30 da manhã?
Lisbeth suspirou.
- Bom, como eu disse, muita coisa mudou. Quando eu tinha 10 anos eu e meu pai nos mudamos pra Paris. Vivíamos bem, até que ele começou a jogar e a beber. Ele perdeu todo o nosso dinheiro no jogo, e como se não bastasse, ele apostou a própria filha... e perdeu. O homem que ganhou exigiu que eu fosse com ele, mas meu pai não queria deixar, então ele o matou. Eu fui obrigada a ir com ele. Eu tinha 13 anos na época. Desde então eu venho arquitetando uma fuga e uma vingança. Mas eu não conseguia fugir. Porque eu estava esperando você aparecer pra me salvar daquele pesadelo. - neste momento ela estava chorando.- E agora que você apareceu, eu não tinha mais por que esperar. - secou as lágrimas.- Eu já sou maior de idade, sou independente. Posso ir aonde quiser, quando quiser e com quem quiser. E por que você está num trem pra Áustria às 2:30 da manhã? Bem... era o único trem que partia à essa hora.
Peter não sabia o que dizer.
- Uau... eu... sinto muito pelo seu pai... bom... está tudo bem agora. Nós vamos ser felizes a partir das 2:51.- olhou o relógio.- quarenta e nove... cinquenta... cinquenta e... agora. Pronto, somos felizes.
Lisbeth sorriu.
- Sim, somos felizes. Eu te amo, Peter.
- Eu te amo, Lisbeth.
Naquele trem para a Áustria que partia às duas da manhã, um poema começara a ser escrito.