Contos Fluminenses
Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, em 1870.
ÍNDICE
MISS DOLLAR
LUÍS SOARES
A MULHER DE PRETO
O SEGREDO DE AUGUSTA
CONFISSÕES DE UMA VIÚVA MOÇA
LINHA RETA E LINHA CURVA
FREI SIMÃO
MISS DOLLAR
ÍNDICE
CAPÍTULO PRIMEIRO
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO PRIMEIRO
Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber
quem era Miss Dollar. Mas por outro lado, sem a apresentação de Miss
Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel
sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar-lhes Miss
Dollar.
Se o leitor é rapaz e dado ao gênio melancólico, imagina que Miss Dollar é
uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue, abrindo à
flor do rosto dois grandes olhos azuis e sacudindo ao vento umas longas
tranças loiras. A moça em questão deve ser vaporosa e ideal como uma
criação de Shakespeare; deve ser o contraste do roastbeef britânico, com
que se alimenta a liberdade do Reino Unido. Uma tal Miss Dollar deve ter o
poeta Tennyson de cor e ler Lamartine no original; se souber o português
deve deliciar-se com a leitura dos sonetos de Camões ou os Cantos de
Gonçalves Dias. O chá e o leite devem ser a alimentação de semelhante
criatura, adicionando-se-lhe alguns confeitos e biscoitos para acudir às
urgências do estômago. A sua fala deve ser um murmúrio de harpa eólia;
o seu amor um desmaio, a sua vida uma contemplação, a sua morte um
suspiro.
A figura é poética, mas não é a da heroína do romance.
Suponhamos que o leitor não é dado a estes devaneios e melancolias;
nesse caso imagina uma Miss Dollar totalmente diferente da outra. Desta
vez será uma robusta americana, vertendo sangue pelas faces, formas
arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita e perfeita.
Amiga da boa mesa e do bom copo, esta Miss Dollar preferirá um quarto
de carneiro a uma página de Longfellow, coisa naturalíssima quando o
estômago reclama, e nunca chegará a compreender a poesia do pôr-dosol.