Capítulo IV - Mentira

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O sorriso carinhoso de Yang Soon foi a última coisa que Ji Min viu antes de adormecer.

E, bem como temia — e seu amigo sabia —, não pôde escapar d’Os Sonhos.

“Acordou” no chão como da última vez, porém as semelhanças se acabavam por aí. Diferente do solo de terra clara e compacta do mercado, aquele era coberto por um grosso tapete de folhas. Árvores se erguiam a sua volta e até onde sua vista alcançava. E, como se não bastasse estar num lugar deserto com o qual não era nem um pouco familiarizado, ainda estava escuro.

No meio do nada e no meio da noite, ótimo, Ji Min pensou, emburrado. No entanto, logo considerou melhor e deixou escapar um suspirinho resignado, pondo-se de pé e batendo as roupas. Bem, ao menos ninguém vai tentar me matar dessa vez…

Não estava errado. Não havia qualquer pessoa ali para lhe fazer mal, mas não tinha sorte, nem um tiquinho que fosse. Estava naquele mundo impossível, afinal! E, teve mais uma confirmação disso ao começar a caminhar e ouvir aquele uivo em resposta aos estalos das folhas sob seus pés.

Um lobo.

Ji Min paralisou no mesmo instante, parando até de respirar. Os olhos imensos de medo. Um uivo, apenas um. Então, era um só lobo, e o som viera de longe. Talvez se ficasse quieto, o bicho achasse se tratar de algum animal pequeno e esquivo, um pássaro ou um esquilo, e perdesse o interesse. Infelizmente, suas esperanças se partiram em mil pedaços quando, alguns segundos depois, ouviu outro uivo, agora mais próximo, e outro, e outro, e outro, e outro… Era uma matilha se reunindo e estava vindo em sua direção.

Deixou escapar um grito de horror e disparou na direção contrária, fazendo o denso tapete de folhas cantar. Ser decapitado por uma espada seria fichinha perto do que aconteceria se aquelas coisas o pegassem. Até se espatifar contra as pedras do Abismo de Kud parecia mais animador ao som dos crescentes uivos dos lobos.

Por que não apareci numa cidade ou num campo florido e deserto?! As árvores ao redor não seriam de grande ajuda, ou eram altas demais para escalar, ou baixas demais para servir de abrigo — e algumas nem mesmo aguentariam seu peso —, por isso as ignorou e continuou correndo. Como faria para escapar daquelas coisas? Como?! Por que um sonho sempre tem que ser pior que o outro? Por que tenho que ser tão azarado assim? Por quê?!

O terreno começou a se tornar íngreme.

Uivos. Rosnados. Estalar de folhas descompassados.

Ji Min olhou para trás e avistou os vultos avançarem velozes entre as árvores, a parca luz da lua que atravessava a copa da floresta refletindo em olhos famintos. Menos de quinze metros o separavam das primeiras carreiras de garras e presas afiadas, mais alguns segundos e elas o alcançariam. Seu coração balançava como louco dentro do peito, seus pulmões pareciam que iam explodir, suas pernas ameaçavam fraquejar. Estava desesperado.

O que eu vou fazer? O quê?!

O mais adiantado dos lobos saltou para abocanhá-lo no exato instante em que Ji Min se sobressaltava, com os olhos quase saindo das órbitas, por estar pisando em nada. Seu mundo girou de ponta a cabeça, um berro galgou sua garganta, folhas, galhos e raízes estalaram sob seu peso, o uivo alto dos lobos foi tudo que escutou por um momento até vir o baque oco que superou todos os sons.

Depois o silêncio o abraçou.

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Quão graves são os ferimentos dele? — Tais palavras, ainda que longínquas, resgataram Ji Min do nada que o havia engolido.

A grande maioria é superficial, apenas a ferida na cabeça me preocupa.

Ele deve ter batido nas pedras quando caiu…

Outlander || YoonjikookOnde histórias criam vida. Descubra agora