Randômicos

Quarto Sem Janela (devaneio)

Privação de sombra. Luz negada. Das escolhas, restara as que não fizera. A corda sobre o penhasco era intangível, afinal. Justiça ou destino eram conceitos efêmeros, impalpáveis ao toque calejado que tanto esmurrara os muros angulosos. Indiferença hedionda exalava da podridão branca, do infindo monótono da cela. Paz, em plenitude opressiva, era um culto compelido e irrefragável. Um mundo morto se fazia após o alcançável, desafiando com recompensa espúria. Irrelevante eram as juras da sina impugnada, ante o impossível ceticismo do real. Orbes vagantes no impensável, o cenário sem saídas, a forca dos sentimentos, o empalamento das emoções. Dilatação da realidade, distorção das noções, e o tambor dos ouvidos ritmam o rito, o sacro ofício incompleto, de destinar a fonte pulsante. Batia pela singularidade, pesado contra as paredes em ondas de ar. Ansiava o toque, a fragrância, a suavidade, buscava em desespero inerte reavivar os sentidos que perdera. Uma máscara de aço, forçada por si mesmo, visível só ao criador, que escondia e reforçava o peso imensurável pelo trilhar renegado. Letargia, insensibilidade. Selar momentos em réquiem mudo, velar caminhos de alegria tortuosa, ceifar centelhas de perfeitos instantes. A memória é seu próprio cemitério, revivendo-se em sepulcros profanados. Um cálice de lágrimas, do desabafo de reflexões vazias. Um fruto de belezas nunca reveladas, decompondo-se por si mesmo, exalando o perfume final antes da deterioração, em aroma doce e mórbido, sedutor e fúnebre. Enterrado, vivo sem respiração, enjaulado pelos ossos, acorrentado pela carne, asfixiado pelo espírito. Exaustão de palavras sem compleição, de nós da voz, armadilhas do pensar. Clamor por fins, não por saídas inexistentes. Julgamento desproporcional será lançado aquele que recusar o glamourizado ato de esperança, mas nem por coragem o epílogo pode ser abreviado. Perder a biblioteca da vivência, o histórico de passagens, a dádiva singular desses fatores que é a junção unificadora de um todo, fazia-se um fardo maior.