capítulo único: astromelia.

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"Você veio..." Ouvi sua voz soar melódica por detrás de mim, fazendo com que todo meu corpo reagisse agressivamente com aquele leve estímulo sonoro. Não tive coragem para me virar, muito menos responder. Apenas continuei ali, de pé, sentindo o vento frio me atravessando diretamente, o cheiro de Titan Arum saindo por meus poros e empesteando tudo o que tocasse, já que naquele momento eu não era nada além de um corpo frio composto por uma alma que já se foi há tempo. "Não vai mesmo me responder? Logo você?" Riu baixinho, tão rusticamente quanto as pétalas roxas e delicadas de Jacinto que voavam livremente naquele entardecer de outono.

"Não tenho o que falar. " Respirei fundo, finalmente conseguindo coragem para me virar, sendo atingida com seu olhar acastanhado acompanhado com sua expressão impassível, talvez até um pouco derrotada. Vê-lo ali, com o cachecol de lã feito de Violetas que eu o havia dado enrolado em seu pescoço, fazia com que meu interior cada vez se contraísse mais. Em desespero. "Na verdade, minto. Tenho um universo inteiro para te falar. O meu."

"Oh, Bella Donna...Sabes como tenho todo o tempo do mundo para você." Ele replicou, a voz calma como sempre. Olhei-o, procurando em seus olhos qualquer sinal de perversidade, qualquer coisa que me assegurasse se eu estava ou não prestes a fazer a coisa certa. Porém nada. Nada além do mais puro receio. Rio soprado, balançando levemente minha cabeça. Ele sabia que isso estava por vir.

"Não diga isso, Cravo, por favor" Suplico em uma voz tão sussurrada que não me surpreenderia se ele não tivesse me escutado, já que após isso veio o que eu mais temia: o silêncio. Encarávamos-nos tão intensamente, minha mente passeando por aquele momento e todas as memórias que tínhamos, seu olhar pesava em meus ombros, como se estivesse esperando uma resposta para uma pergunta que nunca existiu. Ou sempre existiu e foi ignorada por mim.

"Eu sinto sua falta, sabe." Ele começou, avançando um passo. O primeiro desde que a conversa começou. Hesito um pouco antes de me afastar um passo. Não poderia continuar com as coisas do jeito que estavam, comigo presa. Não a ele, mas uma "eu" que criei para fugir. Fugir de mim mesma. Porém, não desvio o olhar, assim conseguindo perceber suas pupilas tremerem com minha movimentação regressiva. "Sinto falta de suas vindas à floricultura. Dizia que você era como um belo Girassol, me trazendo uma paz entorpecente, onde quer que estivéssemos, lembra? Minha linda Tulipa vermelha." Ele riu baixo, com um toque suave de tristeza destoando junto. Como eu não o respondi, ele continuou. "Não sei se você está contando, mas eu estou. Já fazem seis meses. Seis meses que você não aparece lá, Bella, que não me diz como está. Minhas Camélias sentem sua falta." Outra pausa. Silêncio. Percebi seus olhos se encherem de lágrimas, que logo foram substituídas pelas petálas escuras deprimentes de Gerânio. Nenhum dos dois teve coragem de desviar o olhar desde que a conversa começou, até aquele momento, em que ele finalmente o fez. "Converse comigo, Bella. Sua quietude me mata, sabes disso."

Continuo o olhando, percebendo que seu olhar agora era vazio e admirava as Gérberas secas espelhadas pela grama. É isso que o outono faz com as flores, pensei, mata-as. Senti meu coração já decomposto por conta do fim da primavera se apertando cada vez mais dentro de meu peito, fazendo com que o ar me faltasse por um momento. Soluço brevemente, capturando a atenção do homem a minha frente.

"Sabe...." Comecei, a voz um pouco falha pela falta do uso e pelo frio, percebendo que o corpo a frente do meu tremia, não sei se de frio ou temor. "Os Lírios são umas das plantas mais puras, desde a antiga Grécia. Significam felicidade genuína, como deves saber. Mas tem um tipo, o Lírio-do-vale, que são considerados a verdadeira felicidade. Sabes por quê? Porque ele é extremamente venenoso." Suspiro baixo, dando-o um tempo para poder captar a mensagem. Dando-me um tempo. Cada vez eu sentia mais e mais que meu pulmão estava sendo perfurado pelos espinhos da Rosa amarela que eu engolira, por isso respirei fundo antes de continuar. "A felicidade só é verdadeira se for acompanhada de dor, porque assim, sempre que doer, nos seguramos naquela pontinha de felicidade. Ela nos salva de acostumarmos com a dor. Ela nos dá vontade de lutar. Mas isso que eu sinto nesses últimos meses, não é felicidade e muito menos dor. Eu não sinto nada. Nada além do meu interior apodrecendo dia a dia, eu estou me perdendo em mim mesma, em minha mente desistente. Saber que as Miosótis que antes eu te entregava, agora já estão abaixo do solo deterioradas, entristecia-me . Mas, saber que os Narcisos em meu quarto estão todos mortos porque não consegui levantar da cama para regá-los, isso sim me faz perder o sono." Não consigo continuar ao perceber o peso de minhas palavras. Não nele, mas em mim. Começo a chorar, sentindo pequenas pétalas alternadas entre brancas e azuis de Orquídeas saírem por meus olhos enquanto as cores do entardecer iluminavam tudo com seu brilho dourado, inclusive algumas Sakuras que dançavam ao redor de meu corpo.

"Acho que tu sempre estiveste destinada a ser minha Tulipa, Bella, porém és uma das amarelas" Ele diz, com o rosto já vermelho do choro, porém o sorriso desabrochado lindamente em seu rosto em um tom cor de rosa.

"Não diga esses absurdos, Cravo! Ainda sou sua Tulipa, uma das vermelhas, como você mesmo disse, a diferença é que agora também sou minha." Murmuro, acariciando seus cabelos que exalavam à Jasmins por conta da noite que estava prestes a chegar. Percebi-o se afastar brevemente para tirar uma Amor-perfeito do bolso, esticando sua mão e posicionando a flor atrás de minha orelha.

"Eu dar-te-ia hoje, mas acho que tu mereces dar-te bem mais que eu" Sua voz suave sussurrou, uma expressão de pesar estampada em seu belo rosto mesmo que tentasse a esconder com palavras bonitas para me alegrar. Sinto meu sorriso alargar, pegando pelo caule delicadamente a flor depositada em minha orelha e a cravando diretamente em meu coração, atravessando-a diretamente por minhas artérias e sentindo meu membro, agora pulsante, florescendo, enquanto revitaliza-se lentamente. As batidas enchendo meus pulmões de pétalas e brotos, o que me fez tossir um tanto.

Um último sorriso exalando a Lavanda foi sentido antes dele desaparecer por entre às árvores do parque, deixando um rastro de petálas púrpuras para trás, me fazendo respirar fundo para sentí-lo mais uma vez. Porém, dessa vez tudo o que me atingiu foi o cheiro entorpecente de Flox no ar.

E foi observando as Gietas com seus longos hastes balançando por conta do vento frio enquanto as pétalas amarelas se desprendiam, voando livremente pela noite e sumindo entre as estrelas, que me permiti juntar a elas, finalmente encontrando meu lugar ali dentre as crateras da lua, que cheirava a mais forte Astromélia.

E foi observando as Gietas com seus longos hastes balançando por conta do vento frio enquanto as pétalas amarelas se desprendiam, voando livremente pela noite e sumindo entre as estrelas, que me permiti juntar a elas, finalmente encontrando meu lu...

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