QUARTA-FEIRA, 04 DE JULHO DE 2018

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Eram sete horas da manhã e eu ainda estava em casa. O celular havia despertado quatro vezes, mas nada conseguia me acordar. Nem Mimi, que subia e descia da cama o tempo todo, conseguiu me incomodar. Mamãe ainda estava em casa e preparava o café.

Quando levantei e peguei o celular, tinha 3 ligações perdidas do meu chefe. Peguei a primeira roupa que vi no guarda-roupas, uma calça jeans preta e uma blusa azul, coloquei meu sapato e a jaqueta. Me troquei em dez minutos, fui ao banheiro para lavar o rosto e amarrar o cabelo. Escovei os dentes e fui para a cozinha.

— Bom dia filha.

— Bom dia mãe, a senhora está bem?

— Estou. Para onde você vai?

— Vou para o trabalho, estou atrasada!

Tomei uma xícara de café rápido, mas com cuidado para não me queimar. Não tomei tudo, dei um beijo na mamãe, um para Mimi, peguei a bolsa e sai. Estava com tanta pressa que decidi chamar um Uber, pois de metrô demoraria muito e meu chefe ameaçou me dar uma suspensão. Já era a terceira vez em três semanas que chegava atrasada, meu sono estava desregulado e eu estava com sintomas de hipersonia. Quando cheguei a portaria do prédio, o porteiro me chamou para entregar um pacote.

— Ei dona Thalassa, bom dia. Acabou de chegar encomenda pra você. Mando pro seu apartamento?

— Bom dia, Seu João. É muito grande? Se não for, pode me dar aqui enquanto espero o Uber.

— Não é grande não, tome aqui.

— Muito obrigada.

— Por nada, bom trabalho.

— Obrigada, para o senhor também.

O carro chegou e eu guardei a caixa de papelão dentro da minha bolsa. Dei bom dia para o motorista, mas ele simplesmente me ignorou. Na rádio tocava uma música em inglês que eu não recordava o nome, mas me pegava cantando-a. Então decidi pegar a caixa. Era uma caixa quadrada e pequena, não era pesada e estava bem lacrada. Fitei-a por alguns segundos, até que o motorista parou o carro. Guardei a caixa na bolsa novamente, sem abri-la. Agradeci e saí.

Subi direto para minha sala. Era pra estar aqui às 7:30 e dentro do elevador a voz eletrônica dizia que já eram 8:15 da manhã. Assim que cheguei, meu chefe estava em frente a minha porta com uma cara não muito amigável. Ele não me deixou entrar, direcionando-nos para sua sala.

— Thalassa são 8:15 da manhã, é seu terceiro atraso esse mês. O que está acontecendo?

— Me desculpa Ricardo. Meu sono está desregulado, e desde que minha mãe veio morar comigo as coisas ficaram um pouco difíceis.

— Entendo que o problema da sua mãe é grave, mas eu preciso de você aqui no horário.

— Eu não consigo achar alguém que fique com ela, pra que ela possa voltar pra casa. Assim que conseguir, prometo que não vou mais me atrasar.

— Bom, não é bem assim que as coisas funcionam. Se amanhã você chegar atrasada será suspensa. Hoje você fica até mais tarde. Pode ir pra sua sala.

— Ok, chefe.

Ricardo era um homem muito sério, mas sempre tivemos uma boa relação. Ele era tolerável até certo ponto e tratava todo mundo por igual, ali ninguém era melhor que ninguém. Na minha sala, sozinha, decidi abrir a caixa. Dentro dela havia um chaveiro com uma chave e um bilhete dizendo que era de uma casa em Paris - "como assim?", pensei, e franzi a testa sem entender -. Havia também uma carta e um cartão postal. A carta não passava da primeira página e estava escrita em um português claro e letra a mão.

"Queria Thalassa,

Procurei-te por muito tempo, sem sucesso. A saudade que eu sinto de você é imensurável, o que sua mãe fez comigo foi muito cruel. Foram 23 anos sem nenhuma notícia sobre você. A única lembrança que tenho de nós é essa pequena fotografia, que agora lhe pertence.

Eu tive que ir embora para você ter a vida que merecia, agora que sua mãe está doente quero estar do seu lado, te apoiando. Contudo não espero que me aceite, apenas quero ter uma oportunidade de nos encontrarmos para que eu possa te explicar tudo o que houve e tirar suas duvidas. Chegarei em São Paulo dia 10 e retorno para Lisboa, a trabalho, dia 16.

Ficarei hospedado no Tivoli, você deve conhecer. Caso queira me encontrar lá o check-in é as 8:00. Meu número para contato é da França, talvez você tenha dificuldades para me ligar. Então apareça no hotel, e caso eu não esteja, deixe recado na recepção.

Eu tenho muito para te contar, então, por favor, me encontra.

Um abraço de seu pai, Augusto."

Não dava para acreditar no que acabava de ler, só podia ser pegadinha. Mamãe sempre disse que papai tinha nos abandonado quando eu tinha apenas dois anos, e o motivo era que ele tinha uma amante. Desde muito nova desenvolvi um ódio muito grande pelo meu pai por isso e nunca mais quis saber dele. Até os oito anos eu ainda questionava o por quê dele ter nos deixado, mas mamãe sempre me mandava esquecer essa história, que só nós duas importávamos.

Estava ofegante e com as mãos tremulas, ainda segurando a carta. Aquilo estava sendo uma brincadeira de muito mau gosto e eu ia descobrir quem fez aquilo. De repente minha visão ficou turva, não conseguia respirar direito e meu corpo todo formigava, então gritei por socorro. Nesse instante achei que iria desmaiar, mas o rapaz da limpeza que passava no corredor recolhendo os lixos me ouviu gritar e entrou imediatamente na minha sala. Quando percebi estava do lado de fora, na varanda da copa, sentada numa cadeira enquanto ele buscava um copo de água e informava meu chefe. Não sei dizer ao certo o que aconteceu, mas minha vontade era de sair correndo dali direto para casa.

Quando o rapaz da limpeza – seu nome era Manoel – voltou, pedi para que me deixasse sozinha, mas ele se recusou a sair dali. Meu chefe não estava nem um pouco contente com meu estado de saúde, mas disse que me liberaria para ir ao médico. O mesmo pediu um taxi e mandou Manoel me acompanhar.

Ricardo nos mandou ao hospital Sírio Libanês, que ficava a 10 minutos de carro da empresa. Ele garantiu que nada seria descontado do meu salário e que o convênio cobriria tudo.

Manoel era alguns anos mais velho que eu, trabalhava na limpeza do prédio há cinco anos. Ele morava no bairro do Cambuci, com a esposa e seus três filhos. Era uma pessoa que estava sempre sorrindo e nunca discutia com ninguém. Veio morar em São Paulo em 1993, quando tinha 23 anos. Conheceu sua esposa aqui dois anos depois e se casaram.

Ainda no hospital, contei ao médico os acontecimentos dos últimos dias e que possivelmente a carga de estresse exagerada estaria me causando todo esse mal-estar. Aproveitei para pedir encaminhamento ao psicólogo, além dos exames de rotina. Ele me deu o resto do dia e o dia seguinte de atestado.

Pedi um Uber até minha casa e que depois prosseguisse até a de Manoel. Agradeci por ter me acompanhado. Quando cheguei mamãe estava na sala vendo televisão e não estranhou o fato de eu ter chegado muito cedo, característica da sua doença que não me obrigava dizer o que tinha acontecido. Dei-lhe um beijo na testa e fui para meu quarto. Tomei um banho e, ainda de roupão e toalha na cabeça, fui para a varanda fumar um cigarro. Depois voltei para dentro, coloquei uma camiseta e fui até a cozinha preparar um pouco de café. Com o café pronto na caneca, sentei na poltrona e coloquei Mimi no meu colo. Estava passando um filme de comédia romântica, o que me fez adormecer ali mesmo. 

Um Infinito DesconhecidoWhere stories live. Discover now