3. Dúvidas

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A porta se fecha, ecoando um barulho forte de batida. O quarto está tão escuro que a unica coisa visível é a televisão, que não ilumina muita coisa ao redor por conta do clima obscuro do programa que está passando. O silêncio mata o resto de coragem que habita em mim, não sei o que pode acontecer, nem mesmo sei se quem quer que seja — ou o que quer que seja — entrou aqui ou só fechou a porta. O medo se mistura com o suspense e a sensação de imprevisibilidade, e isso é a pior coisa do mundo. Vejo vultos negros no canto dos olhos, mas quando eu desvio o olhar para eles, eles somem — com certeza são apenas frutos da minha imaginação criada pelo medo.
Não aguento mais, então fecho os olhos e me cubro até a cabeça com o cobertor. Nada pode me tirar dali. Nada.

Sons de passos leves soam da direção da porta até a minha direção e param no meu lado, então sons de uma respiração ofegante começando a se aproximar, até chegar na altura do meu rosto na cama, como se estivesse respirando na minha cara.

— Lara. — Sussurra novamente, só que agora no lado do meu ouvido, me causando um arrepio. — Não... Corra.

A respiração, antes alta, se acalma e se afasta. Os sons de passos voltam, só que agora em direção da porta. As luzes se acendem novamente e a porta bate.

Pela primeira vez em longos e dolorosos minutos, consigo soltar o ar direito. A minha curiosidade mandava meu corpo correr até a porta para verificar quem era, mas quem ela pensa que sou? Um personagem burro de terror? Eu não vou sair daqui, e nem se eu quisesse, meu corpo não se mexe. A sensação de ser observada ainda continua e o sussurro do meu nome parece se repetir na minha mente.

Minutos se passam, mas parecem horas, e as primeiras palavras conseguem sair de minha boca.

— Pai! Mãe! — Grito alto com um tom choroso, mas muito alto mesmo, como uma criança desesperada após ter um pesadelo. — Pai!

  O clamor funciona rápido, pois atraí alguém. Sons altos de pisões no chão vêm em direção à porta. A maçaneta gira.

Um grito.

— Lara!

  A porta abre.

— Lara? — Meu pai corre em minha direção, puxando o cobertor de minha cabeça.

— Pai... — Respondo soltando lagrimas e cedendo ao choro como uma criança. Ele vem, me acolhe e me envolve em seu abraço. Um abraço de pai, um abraço quente e acolhedor.

— Está tudo bem. Está tudo mil vezes bem. — Ele diz, como sempre disse quando eu estava mal, desde pequena. — Pode me dizer o que houve?

— Alguém entrou aqui e ficou sussurrando.

Meu pai fica sério e em silêncio por alguns instantes, desapertando o abraço. Levanta de repente, se soltando dos meus braços, e cruza os braços.

— Como assim? — Ele suspira.

— Alguém entrou aqui, ué. — Repeti, limpando as lágrimas. — Desligou as luzes e ficou sussurrando meu nome. Eu não vi quem foi, tava escuro e eu tava com medo.

— Tem certeza que não foi outro pesadelo?

— O que? Que merda. — Levanto da cama, o encarando. — Claro que eu tenho. Você não está levando isso a sério?

— Filha... É claro que estou. Mas... Bem...

— Sai... Sai, sai, sai, sai. — Digo, o empurrando para a porta e a batendo em sua cara.

É uma droga ser questionado e não receber um voto de confiança, ainda mais de seu próprio pai. Talvez eu também não acreditaria se o Gabriel viesse me dizer isso, mas não quero pensar nisso... Ele errou em não acreditar em mim, e isso é fato.
  Mais alguém bate na porta, mas não sai a abrindo.

— Deixa eu entrar. — A voz de Naomi surgiu no lado de fora.

— Não. Você veio me zoar ou algo do tipo?

— Não? Por que eu faria isso?

— Porque você faz isso. — Abro a porta, a encarando. — Porque você é assim.

— Não. Eu vim te consolar, ué. Apesar de ser um ser superior, eu ainda sou sua irmã. — Ela me abraça subitamente. — Te odeio, mas não tanto quanto quem mexer contigo.

— Ah... Fofo, mas nem tanto. — Contribuo o abraço, rindo.

Naomi consegue ser legal quando quer, apesar de não querer nunca. Desde que fez 18 anos, ela virou o tipo de adolescente revoltada e impaciente com tudo. Esqueceu meu irmão e eu, e agora só pensa nos amigos da Praça 17 — um dos motivos dela ter um pé atrás sobre a mudança —, que são tão chatos quanto ela. Um bom exemplo é o Biu, um moleque metido a jogador e bandido, que fica me chamando de Naominha.
  Mas mesmo ela consegue ser legal as vezes, como quando ela bateu no Biu quando ele mexeu com o Gabriel.

— Bem, me explica direito. O que aconteceu? — Ela diz, se soltando do abraço, mas ainda me tocando.

— Eu não sei. — Respondo, após pensar um pouco. O silêncio se mantém, e ela espera que eu continue.

— Que? Como não sabe? Quero uma resposta.

— Mas é isso... Eu não sei. Eu estava aqui no quarto, alguém apagou as luzes e entrou para ficar me olhando, além disso, sussurrou alguma coisa no meu ouvido e sumiu....

— Bem, isso é estranho pra um cacete. E não foi a gente, eu juro, nós estávamos lá embaixo.

— Mas... E eles?

— Eles?

— A família estranha.

— Ah, a família bizarra. Eles já foram embora um pouco depois de você subir. Eles realmente são bizarros pra caramba, cada um deles. — Ela sorri e balança a cabeça negativamente. — Um mais estranho que o outro. Aquele Ted principalmente.

— Sim, ele me dá medo... Eu não sei.

— Relaxa, apesar de serem estranhos, não há o que temer.

— Eu não sei.

— É, imaginava, você só sabe dizer isso agora. — Ela abre mais ainda seu sorriso.

O momento de amor entre irmãos foi bom e um tanto duradouro, até que o celular da minha irmã toca e ela esquece de mim novamente.

— Opa. — Diz ela, me empurrando e pegando o celular do bolso traseiro. — Tenho que ir.

— Já?

— Finalmente, né. — Ela ri e me dá um soquinho no ombro. — Qualquer coisa, me grita. Não sou grande como o pai, mas sei usar uma faca.

— Ui, que psicopata. Talvez tenha sido você que entrou aqui.

— Eu faria algo assim. — Ela ri. — Te acalmaria se eu dissesse que fui eu?

— Até que sim.

— Não fui eu. — Ela fala e sai, fechando a porta.

O Medo Mora ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora