A porta se fecha, ecoando um barulho forte de batida. O quarto está tão escuro que a unica coisa visível é a televisão, que não ilumina muita coisa ao redor por conta do clima obscuro do programa que está passando. O silêncio mata o resto de coragem que habita em mim, não sei o que pode acontecer, nem mesmo sei se quem quer que seja — ou o que quer que seja — entrou aqui ou só fechou a porta. O medo se mistura com o suspense e a sensação de imprevisibilidade, e isso é a pior coisa do mundo. Vejo vultos negros no canto dos olhos, mas quando eu desvio o olhar para eles, eles somem — com certeza são apenas frutos da minha imaginação criada pelo medo.
Não aguento mais, então fecho os olhos e me cubro até a cabeça com o cobertor. Nada pode me tirar dali. Nada.Sons de passos leves soam da direção da porta até a minha direção e param no meu lado, então sons de uma respiração ofegante começando a se aproximar, até chegar na altura do meu rosto na cama, como se estivesse respirando na minha cara.
— Lara. — Sussurra novamente, só que agora no lado do meu ouvido, me causando um arrepio. — Não... Corra.
A respiração, antes alta, se acalma e se afasta. Os sons de passos voltam, só que agora em direção da porta. As luzes se acendem novamente e a porta bate.
Pela primeira vez em longos e dolorosos minutos, consigo soltar o ar direito. A minha curiosidade mandava meu corpo correr até a porta para verificar quem era, mas quem ela pensa que sou? Um personagem burro de terror? Eu não vou sair daqui, e nem se eu quisesse, meu corpo não se mexe. A sensação de ser observada ainda continua e o sussurro do meu nome parece se repetir na minha mente.
Minutos se passam, mas parecem horas, e as primeiras palavras conseguem sair de minha boca.
— Pai! Mãe! — Grito alto com um tom choroso, mas muito alto mesmo, como uma criança desesperada após ter um pesadelo. — Pai!
O clamor funciona rápido, pois atraí alguém. Sons altos de pisões no chão vêm em direção à porta. A maçaneta gira.
Um grito.
— Lara!
A porta abre.
— Lara? — Meu pai corre em minha direção, puxando o cobertor de minha cabeça.
— Pai... — Respondo soltando lagrimas e cedendo ao choro como uma criança. Ele vem, me acolhe e me envolve em seu abraço. Um abraço de pai, um abraço quente e acolhedor.
— Está tudo bem. Está tudo mil vezes bem. — Ele diz, como sempre disse quando eu estava mal, desde pequena. — Pode me dizer o que houve?
— Alguém entrou aqui e ficou sussurrando.
Meu pai fica sério e em silêncio por alguns instantes, desapertando o abraço. Levanta de repente, se soltando dos meus braços, e cruza os braços.
— Como assim? — Ele suspira.
— Alguém entrou aqui, ué. — Repeti, limpando as lágrimas. — Desligou as luzes e ficou sussurrando meu nome. Eu não vi quem foi, tava escuro e eu tava com medo.
— Tem certeza que não foi outro pesadelo?
— O que? Que merda. — Levanto da cama, o encarando. — Claro que eu tenho. Você não está levando isso a sério?
— Filha... É claro que estou. Mas... Bem...
— Sai... Sai, sai, sai, sai. — Digo, o empurrando para a porta e a batendo em sua cara.
É uma droga ser questionado e não receber um voto de confiança, ainda mais de seu próprio pai. Talvez eu também não acreditaria se o Gabriel viesse me dizer isso, mas não quero pensar nisso... Ele errou em não acreditar em mim, e isso é fato.
Mais alguém bate na porta, mas não sai a abrindo.— Deixa eu entrar. — A voz de Naomi surgiu no lado de fora.
— Não. Você veio me zoar ou algo do tipo?
— Não? Por que eu faria isso?
— Porque você faz isso. — Abro a porta, a encarando. — Porque você é assim.
— Não. Eu vim te consolar, ué. Apesar de ser um ser superior, eu ainda sou sua irmã. — Ela me abraça subitamente. — Te odeio, mas não tanto quanto quem mexer contigo.
— Ah... Fofo, mas nem tanto. — Contribuo o abraço, rindo.
Naomi consegue ser legal quando quer, apesar de não querer nunca. Desde que fez 18 anos, ela virou o tipo de adolescente revoltada e impaciente com tudo. Esqueceu meu irmão e eu, e agora só pensa nos amigos da Praça 17 — um dos motivos dela ter um pé atrás sobre a mudança —, que são tão chatos quanto ela. Um bom exemplo é o Biu, um moleque metido a jogador e bandido, que fica me chamando de Naominha.
Mas mesmo ela consegue ser legal as vezes, como quando ela bateu no Biu quando ele mexeu com o Gabriel.— Bem, me explica direito. O que aconteceu? — Ela diz, se soltando do abraço, mas ainda me tocando.
— Eu não sei. — Respondo, após pensar um pouco. O silêncio se mantém, e ela espera que eu continue.
— Que? Como não sabe? Quero uma resposta.
— Mas é isso... Eu não sei. Eu estava aqui no quarto, alguém apagou as luzes e entrou para ficar me olhando, além disso, sussurrou alguma coisa no meu ouvido e sumiu....
— Bem, isso é estranho pra um cacete. E não foi a gente, eu juro, nós estávamos lá embaixo.
— Mas... E eles?
— Eles?
— A família estranha.
— Ah, a família bizarra. Eles já foram embora um pouco depois de você subir. Eles realmente são bizarros pra caramba, cada um deles. — Ela sorri e balança a cabeça negativamente. — Um mais estranho que o outro. Aquele Ted principalmente.
— Sim, ele me dá medo... Eu não sei.
— Relaxa, apesar de serem estranhos, não há o que temer.
— Eu não sei.
— É, imaginava, você só sabe dizer isso agora. — Ela abre mais ainda seu sorriso.
O momento de amor entre irmãos foi bom e um tanto duradouro, até que o celular da minha irmã toca e ela esquece de mim novamente.
— Opa. — Diz ela, me empurrando e pegando o celular do bolso traseiro. — Tenho que ir.
— Já?
— Finalmente, né. — Ela ri e me dá um soquinho no ombro. — Qualquer coisa, me grita. Não sou grande como o pai, mas sei usar uma faca.
— Ui, que psicopata. Talvez tenha sido você que entrou aqui.
— Eu faria algo assim. — Ela ri. — Te acalmaria se eu dissesse que fui eu?
— Até que sim.
— Não fui eu. — Ela fala e sai, fechando a porta.
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O Medo Mora ao Lado
Mystery / ThrillerUma vida nova, era isso o que a família procurava. A mudança seria o início dessa nova vida e o fim da vida pobre e difícil que eles haviam antes. Um bairro comum, sossegado e pacífico, tudo parecia perfeito. Mas nada é perfeito, e isso ficava cada...