Um punhado de neve acertou-o em cheio no olho.
- Ah! - grunhiu Eric e abriu os olhos com dificuldade.
- Sh! Faça silêncio! - sussurrou Zac
- Mas que diabos, o que você quer?
Não respondeu. Levantou-se de onde o irmão dormia e, indo para longe dali, acenou para que o seguisse. A nevasca estava forte e Eric pôs-se de pé o mais discreto possível e tratou de seguir o irmão, antes de perdê-lo de vista. Quando o alcançou, ele já parecia saber o caminho, pois o fazia com cuidado e observando pontos na parede, invisíveis aos olhos sonolentos de Eric.
- O que houve? Está com medo de ir mijar? - questionou Eric, aproximando-se dele e se protegendo da nevasca o quanto podia
- Não consigo dormir.
- Está tarde e perigoso. Poupe as energias, amanhã vai ser um dia de muito trabalho.
- Trabalho?
- Creio que sim, vamos andar mais umas...
- Só temos andado. Isso é trabalho de cavalo.
- Hai de entender isso irmão. Por nós, pelo nosso pai, pelo nosso reino. Sabe quantos gostariam de estar aqui, conosco, longe daquela cidade que mais parece um cemitério?
- Eis aí a morada de todo perigo. Saímos daquelas ruas mortas para um lugar em que não fazemos nada. Minha espada em pouco tempo se colará à bainha, tamanho tempo sem dela sair.
Balançando a cabeça, Zac admirou por um bom tempo a nevasca, o negro céu tomado por nuvens pesadas.
- Não sabemos o que é estar em guerra há décadas. - continuou, com o olhar distante - Até agora minha espada só saiu de minha cintura para derrubar frutas - riu até dar de ombros - Ninguém quer invadir esse lugar.
- Não temos guerras há anos por... nossa força militar e nossa natureza. O frio é nosso maior escudo. - interveio Eric, mas suas palavras saíram perdidas, sem impacto.
Aproximou-se do irmão para falar com mais firmeza:
- Somos criaturas que lutamos contra esse vazio. Somos, antes de qualquer coisa, valentes por natureza. Olha só o que enfrentamos e sempre enfrentaremos: o ambiente mais violento de todas as terras. É como se constantemente a natureza selvagem quisesse nos expulsar. Mas bravamente sempre resistimos e usamos isso ao nosso favor.
Oculto naquela chuva de vento e neve, Zac sorrira desacreditado. Não lhe alcançava mais aqueles ideais pregados e repetidos incansáveis vezes desde jovem. Fez sentido numa época. Hoje, não mais. Uma sensação foi apertando seu peito enquanto crescia e ansiava por conhecer além dos limites daquele mundo gelado. Era uma guerra inútil continuar ali. Todos pareciam aguadar somente a morte. Logo, não era o rei que comandava aquelas terras. Era a morte.
Um rei que, antes do grande êxodo, era um barão. Havia muitas histórias sobre sua ascensão, mas todas nunca se confirmaram. Restando-se como a única autoridade nobre naquelas terras cerceadas, reergueu-se como rei. Recolheu-se em seu castelo, expandiu-o, e de lá regia aquele pequeno pedaço no fim do mundo. Aquilo destonava qualquer ideal lírico pregado para os bravos homens. Era como se a época de grandes guerreiros já houvesse passado e ele acordara tardiamente. Quem eram seus exemplos? Não havia mais. Não ali.
- Foi o que aprendeu com os monges? São belas palavras e belos motivos para se viver, mas o mundo não será sempre como nos cantos, irmão - ergueu os olhos para o muro e contemplou toda a sua extensão. Mesmo sob intensa nevasca, partes do grande conjunto de desenhos, símbolos e runas, de cores vivas e incandescentes, estavam brilhando com a opaca luz da lua, que se espreitava por alguma nuvem ou outra. Ele se aproximou para estudar a imagem - Nem os elfos suportaram essa devastidão. Ninguém vive aqui além de nós, presos num infinito espaço gelado. Não estamos vivendo, apenas sobrevivendo a essa situação miserável. Estamos congelados com os pés enraizados nesse lugar e nada disso faz sentido.
Os monges eram indivíduos dignos de muitas habilidades. Missionários, assim se apresentavam, de terras distantes, haviam encontrado naquele reino, escondido e cercado pela Grande Nevasca , o apoio da gente comum, dos clérigos, da nobreza e até mesmo da próprio ambiente, pois possuíam avançandos conhecimentos de botânica e herbalismo local. Para o rei, estes mantinham os rapazes da vila atarefados e educados, e em sua chegada, trouxeram muitas notícias do mundo. enquanto os monges eram subserviente às autoridades religiosas locais. A população, isolada há anos do mundo externo, visualizara naqueles humildes servos dos deuses uma janela ensolarada em suas vidas. Muitos os procuravam atrás de conselhos e orientações, principalmente em assuntos delicados e íntimos. Seus rostos desconhecidos e neutros favoreciam aos fiéis confessar sem tanto recato.
- Quando desde a última grande guerra tivemos qualquer luta significante? - continuou - Não sei se isso me servirá por muito tempo.
Eric confiava no irmão. Era aquela rara irmandade onde confiavam um no outro em complexos aspectos. Mas, com o passar dos anos, embora dotado de mais idade, Zac não adquiriu a calma característica do passar dos anos. Isso preocupava Eric, se também o afligiria com o chegar do tempo, tamanha inquietação. Ele presenciava os devaneios no qual o irmão mergulhava constantemente, agravando-se com o passar dos dias.
- No que está pensando? - perguntou, após encará-lo por um bom tempo
- Na mesma coisa que você!
- Em dormir?
Ele ergueu o braço direito na direção leste da fortaleza.
- Preciso te mostrar uma coisa. Achei uma passagem ali!
Quando ousou falar algo em reprimenda, Zac já estava longe. O desejo de Eric de estar junto a ele em qualquer momento, de protegê-lo a qualquer custo, era maior do que qualquer outra preocupação referente ao grupo e suas atividades no outro dia. Às vezes ele desconfiava que Zac sabia disso e aproveita-se sem rodeios.
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Guerras do Gelo - Sonhos de dragão
Fantasy"Os ventos dos norte traziam consigo previsões tenebrosas para as regiões geladas no extremo norte do continente, as terras dos reinos de Gomdril, Anduril, Aigdursil e dos elfos ao leste. Se alguma força do mal estava ressurgindo de volta ao mundo...