Já fazia cerca de uma semana que ela recebera de volta a sua foto do baile de formatura. Ainda assim, era só fechar os olhos que conseguia ver os detalhes da caligrafia de Roger. Aquele "eu amo você" estava gravado em sua mente. E todas as vezes que se lembrava, sentia as mesmas borboletas no estômago, sempre como se fosse a primeira vez e sorria feito uma boba.
Scarlett sorriu automaticamente ao sentir os braços de Roger envolverem-na pela cintura. Calmo e ainda sonolento, ele escondeu o próprio rosto na curvatura do pescoço da menina, onde depositou um selar que a causou arrepios por todo o seu corpo. Lentamente, ela subiu uma das mãos e entrelaçou na dele, mas sem sair da posição aconchegante em que se encontrava. Se pudesse, ficaria daquela forma para sempre.
Ainda, de certa forma, contra a sua, a menina se virou, consequentemente desvencilhando-se dos braços do Taylor, dando de cara com um homem de cabelos loiros bagunçados, sem camisa e usando apenas uma calça de moletom. Ela, por sua vez, vestia uma camisa dele e sua roupa íntima na parte debaixo. Um sorriso mínimo, quase imperceptível, brotou nos lábios dela quando se lembrou da noite anterior. No entanto, Roger era observador demais para deixar qualquer mínimo detalhe se passar. Ao menos quando se tratava dela.
— Esse sorriso é porque está admirando a minha beleza ou pela noite de ontem?
Ela abriu e fechou a boca algumas vezes, mas desistiu de dizer qualquer coisa que fosse. A menina apenas ergueu a mão e e a espalmou fracamente contra o peitoral do rapaz, que apenas a lançou um sorriso convencido.
— Cala a boca. — Scarlett resmungou e, em uma falsa impaciência, revirou os olhos.
— Ouch. — Ele levou uma das mãos até o peito e adquiriu uma feição fingida de dor, tal como seu próprio tom de voz. — Fui atingido.
— Seu idiota. — A menina ergueu uma de suas mãos até o rosto dele e selou os seus lábios rapidamente contra os dele.
Um sorriso bobo e involuntário surgiu nos lábios de Roger, chegava a ser ridículo. Nem ele se julgava merecedor de toda aquela felicidade. Scarlett Louise Wright, com certeza, era muito mais do que ele merecia. Mas não queria pensar nisso, preferia pensar no quão bem se sentia e há quanto tempo não se sentia assim.
A fama trazia coisas boas e ruins, como qualquer coisa na vida. Claro, ele amava tocar, era o seu maior prazer, e também amava os seus amigos da banda, mas sabia que havia um vazio em si. Um vazio que só se preencheu quando ele a reencontrou, em um pub, no centro de Londres, sem pretensão alguma, mas algo que mudou a sua vida inteira. Um simples acontecimento que ressignificou sua existência.
Roger ainda tinha um sorriso discreto e, de certa forma, nostálgico, nos lábios. Lentamente, ele levou uma de suas mãos até a face dela e, com calma e tranquilidade, acariciou a sua maçã do rosto. Scarlett, em um gesto involuntário, fechou os olhos conforme recebia a carícia, mas logo os abriu, fitando os profundos olhos azuis dele. Havia tanta coisa ali, tanta intensidade, algo que apenas ela era capaz de ver, porque ninguém entendia Roger Taylor melhor do que Scarlett Wright.
— O que houve? — A voz feminina finalmente quebrou o silêncio e, de um momento para o outro, ele pareceu despertar.
O Taylor achava impressionante a maneira como Scarlett o enxergava com tamanha facilidade, com tamanha transparência. Nem mesmo ele se entendia tão bem como ela o compreendia, afinal, ela o lia como um livro.
— Nada, eu só estava pensando. — Respondeu e, mais uma vez, ele sorriu, discreto.
Scarlett entrelaçou os dedos no dele e o guiou até a beira da cama, em seguida, sentou-se sobre os bagunçados lençóis cinzas e permaneceu encarando Roger até que ele fizesse o mesmo. Não demorou muito, ele imitou os seus passos e sentou-se na cama, de frente para ela, ainda segurando uma de suas mãos.
— No que estava pensando? — Ela perguntou, calma, sua mão direita acariciando a dele lentamente.
"No quanto eu não mereço você." Ele pensou em responder, mas Scarlett certamente ficaria brava. Ela tinha uma personalidade forte e não queria estragar as coisas agora. Não quando estavam indo tão bem. Sabia que estava sendo egoísta, mas que mal havia em tentar novamente?
— Não é nada demais. — Roger deu de ombros, mas um pequeno suspiro escapou de seus lábios, como uma denúncia.
— Você sabe que pode conversar comigo sobre tudo, não sabe? — Atentamente, os olhos azuis observaram Scarlett morder uma pontinha do lábio inferior. Ela tinha essa mania engraçada, que ele, particularmente, adorava.
— Eu sei, afinal você é minha... — Em um impulso, Roger quase disse a palavra namorada. Agradeceu por ter se contido antes de qualquer besteira escapar de sua boca.
Scarlett, por sua vez, o olhava com uma certa expectativa, talvez até mesmo uma esperança, como se ansiasse pelo que Roger viria a dizer. O Taylor fechou os olhos por um segundo, amaldiçoando-se por ter iniciado aquela frase. Podia estar evoluindo e aprendendo muito naquele espaço de tempo, mas ainda estava no segundo degrau, enquanto a escadaria tinha mil. Ainda não estava pronto para embarcar em um relacionamento sério, não enquanto viajasse o mundo. Não queria ficar preso, afinal ele presava muito por sua liberdade e sempre fora assim, até mesmo quando era ainda mais jovem.
— Melhor amiga. — Ele finalizou, mesmo sabendo que iria decepcioná-la.
Os lábios de Scarlett se contraíram em uma linha fina. Aquela expressão inicial nem mesmo Roger foi capaz de ler. A menina não se esforçou para esconder sua frustração e respirou fundo. Sua mão, que segurava a dele, lentamente se ergueu e ajeitou os próprios fios de cabelo castanhos. Ela estava muito chateada, frustrada e, acima de tudo, decepcionada. Roger sentiu a culpa invadi-lo instantaneamente.
— Eu escrevi para você. — Roger falou, repentinamente quebrando aquele silêncio que apenas os torturava. — Quer dizer, quando eu me mudei para Londres, eu escrevi para você. Umas três ou quatro cartas. — O Taylor riu, sem qualquer ânimo aparente.
Automaticamente, a menina ergueu as sobrancelhas e arregalou os olhos, os lábios levemente entreabertos em uma expressão de surpresa.
— Mas eu... — Ela pausou, tentando ordenar as palavras em sua mente. — Eu nunca recebi nenhuma carta.
— Eu sei. — O rapaz passou as mãos entre os fios de cabelo loiros, enquanto seu olhar se voltava para o chão. — Eu nunca enviei.
Os olhos dele se voltaram para ela por um único segundo, e a expressão de mágoa era nítida. Ele havia a machucado, e aquela não era a primeira vez. Na verdade, longe disso. E Scarlett não merecia sofrer daquela forma.
— Por quê? — A voz dela saiu como um sussurro, baixa e quase inaudível.
— Porque eu queria deixar King's Lynn para trás, Scarlett. — Roger falou, com um sorriso mínimo em seus lábios, mas nenhum ânimo. — Eu queria vir para Londres, viver aqui, eu sempre quis, lembra? Desde criança. E eu não queria olhar para trás, queria me formar, queria o sonho da minha banda e...
Conforme ouvia aquelas palavras, a menina assentia, mas, interiormente, se perguntava sobre como se encaixava em toda aquela história.
— E...? — Ela o incentivou, os olhos curiosos fitando os azuis.
— E só havia duas coisas capazes de me prender em King's Lynn. — Roger pareceu um pouco pensativo, como se buscasse as melhores palavras para se expressar. — A minha família, mas eles me visitavam o tempo todo em Londres, então não me faziam sentir tenta vontade de voltar para casa. — Finalmente, ele voltou os seus olhos para Scarlett novamente. — E você.
A menina fez menção em dizer alguma coisa, mas manteve-se calada, ainda sem entender exatamente o que ele estava querendo dizer.
— Se eu mandasse a carta, e você respondesse, eu ia querer voltar sem pensar duas vezes, mas eu não podia, eu precisava viver os meus sonhos.
Scarlett abaixou a cabeça, completamente cabisbaixa.
— Eu nunca seria egoísta a ponto de te pedir para voltar. — A voz dela estava trêmula. — Eu sonhava junto com você, se lembra?
— Não foi isso que eu disse. — Roger levantou uma das mãos e, delicadamente, tocou o queixo de Scarlett, erguendo o seu rosto lentamente, para que ela pudesse olhá-lo. — Eu disse que eu iria querer voltar, e não que você iria me fazer voltar.
— E o que você quer dizer com isso? — Ela entortou os lábios, confusa, mas, ao mesmo tempo, com uma pontada de esperança.
— Quero dizer que você sempre foi uma das pessoas mais importantes da minha vida. — As mãos dele se moveram, transformando-se em uma carícia gentil ao longo do rosto feminino. — E que eu sempre te amei. Talvez apenas como minha melhor amiga, talvez eu já estivesse apaixonado, eu não sei.
Roger parecia estar sendo genuíno. Ela conseguia ver isso no fundo daqueles olhos cristalinos, que pareciam tão transparentes quanto água. Scarlett, por outro lado, estava encolhida na cama, tinha os lábios trêmulos, como quem tentava prender o choro. E ele estava se odiando por fazê-la ficar naquele estado.
— Mas eu me arrependi. — Falou, porém aquilo não amenizava nem um pouco a situação naquele momento. — Na primeira vez que eu voltei para King's Lynn depois de me mudar, eu procurei por você, mas você já tinha se mudado, então eu simplesmente fiquei sem ter o que fazer. — Ele ergueu as mãos no ar, lembrando-se da sensação de impotência que sentira ainda naquela época. — Então eu segui a minha vida, e você seguiu a sua e depois nos reencontramos naquele pub, e foi como se eu tivesse voltado no tempo.
— Mas você não quer se sentir preso à King's Lynn de novo, não é? Ou melhor, à Londres. — A voz dela soou triste, e os olhos encontravam-se cheios de lágrimas, que pareciam poder escapar a qualquer momento.
Roger desviou os olhos para um canto inferior da sala. Inquieto, ele se levantou da cama e, de costas para ela, começou a andar em direção da cômoda de madeira que havia em seu quarto. O Taylor não conseguia encará-la, pelo menos não naquele momento.
Por detrás dele, Roger percebeu o movimento. Era Scarlett, colocando sua calça comprida por debaixo da camisa que mais lhe parecia um vestido. O Taylor permaneceu em silêncio, abriu uma das gavetas da cômoda e, de lá, retirou uma pasta.
— Eu só não sei se quero perder a minha liberdade e...
— Roger, para. — Ele deu meia-volta e se virou pera ela novamente, estranhando o tom de voz tão sério. — Eu jamais tiraria sua liberdade, eu nunca, em hipótese alguma, te pediria para deixar de ir a algum lugar, ou coisa do tipo. Em troca, eu só te pediria lealdade e fidelidade, mas é disso que você tem medo.
De uma certa forma, Scarlett estava certa. Era exatamente disso que ele tinha medo, e saber que ela havia percebido isso o aterrorizava.
— Você tem medo de se entregar, de confiar nas pessoas. — Ela deu algumas passadas lentas para a frente parou, fitando-o no fundo dos olhos. As mãos femininas tocaram a pele gélida do rosto dele e um sorriso murcho surgiu nos lábios da menina. — Eu entendo que não esteja pronto para isso, eu realmente entendo, mas não é justo que continue me dando esperanças assim. Eu não posso viver presa nos anos 60, Rog... Eu realmente tentei, me desculpe. — Na última frase, a voz saiu levemente embargada, devido ao choro preso na garganta.
Aos poucos, ela se afastou de Roger que, instintivamente, segurou uma das mãos dela, de forma delicada. Ele tinha os olhos tristes, como o de alguém que havia perdido qualquer vestígio de esperança. E talvez devesse. Estava arruinando tudo mais uma vez e decepcionando a pessoa que amava, porque agora ele podia dizer aquilo com total convicção — Roger Taylor a amava. Mas não era o suficiente. Não era bom o suficiente.
— Espera...
Scarlett não disse nada, mas também não se moveu. Roger virou de costas, abriu a pasta e retirou três envelopes, um azul, um branco e um amarelo. Com calma, ele caminhou até a menina e estendeu a mão com as cartas em direção a ela.
— Eu sinto muito. — Ele falou baixinho. Não era uma condição habitual dele, mas estava envergonhado.
Ainda um pouco hesitante, Scarlett pegou as cartas das mãos de Roger. Os olhos dela demonstravam algo entre a tristeza e a saudade. A saudade de quando as coisas não eram tão complicadas, de quando eram eles dois contra o mundo e, talvez, de quando eram apenas amigos.
— Está tudo bem, você fez e está fazendo o que é melhor para você, eu jamais poderia te culpar por isso. — A menina mordeu o próprio lábio inferior. — Mas eu também não quero ser alguém descartável, eu não consigo.
Uma lágrima solitária escorreu de seu olho direito, caindo em sua maçã do rosto. Roger, em um impulso, a envolveu em um abraço apertado, e Scarlett enterrou seu rosto contra a camisa branca que ele usava.
— Você nunca foi descartável, Scarlett. — Roger a apertou contra o próprio corpo, como se não quisesse deixá-la ir. — Nunca.
— Então eu não posso ser vítima do seu egoísmo. — A menina se moveu cuidadosamente, desvencilhando-se do abraço em que se encontrava. — Mas sempre que precisar de uma amiga, eu estarei aqui. Eu sempre estarei aqui por você, Rog. — Ela sorriu, mas não exprimia alegria. Na verdade, parecia frustrada, talvez desgastada. — O álbum está praticamente pronto e será lançado essa semana, então o que eu posso te desejar é uma boa turnê. Eu tenho certeza de que vai se sair bem, como sempre.
Scarlett virou as costas e saiu do quarto, sem dizer qualquer outra palavra e nem mesmo se virar para trás. Roger sentiu um impulso de correr atrás dela, mas fez questão de ignorar todos aqueles sentimentos que o consumiam de maneira voraz.
Ele sentou-se na cama e repassou toda a situação em sua mente. Estava se sentindo impotente e, acima de tudo, triste. Havia conseguido o que queria, mas, ainda assim, estava triste. Roger se importava com Scarlett e a amava com todo o seu coração, mas também amava o seu mundo de turnês, três países por semana e toda a liberdade que a vida boêmia lhe proporcionava.
No entanto, por algum motivo, ao invés de se sentir aliviado e feliz, sentia-se vazio. Havia perdido um perdaço de si naquela noite. Havia perdido metade de si.
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Right By Your Side
RomantikRoger Taylor se vê surpreso ao reencontrar uma amiga de infância em uma noite qualquer nas terras de Londres. Ele só não esperava que esse acontecimento repentino fosse, de certa forma, alterar o curso da sua vida.