A Ave dos Bons Agouros

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Um cavalo com tosse, um cavaleiro manco,

e uma donzela tagarela. Não percam

o espetáculo “Atrás da Espada”,

do esplêndido

Arthur Casabranca

Você vai se irritar. Eu prometo.

Em cartaz no Teatro Emiliano Souza.

Ingressos disponíveis online.

 

    MAIS UM DIA DE ESTREIA se foi. Agora Arthur se deparava em pé diante de seus nobres críticos em meio ao burburinho do bar do teatro.

Eles estavam sentados ao bar, um ao lado do outro, a luz baixa os iluminando. O primeiro, um homem baixinho e com um bigodinho (podia-se perceber uma discreta barriga empurrando para frente o colete fechado). O segundo, um rapaz jovem, alto e de pele marrom escura, usava óculos redondos. Vestidos em ternos não-muito-bonitos, cada um dos dois segurava sua própria caderneta amarela, anotando minuciosamente todas as particularidades do espetáculo.

— Bem, acham que eu cumpri suas expectativas? – perguntou Arthur.

— Dessa vez prestou. Você acertou a mão nessa peça. – disse o mais jovem, irônico, com um sorriso sacana no rosto. – Não acha senhor França?

— Nem um pouco. Eu achei essa tola, assim como foi a anterior. – Disse o baixinho senhor França com um biscoito na mão.

Apenas o romper do biscoito água e sal, o mergulhar do saquinho de chá, o tic do relógio antigo quebraram o silêncio entre eles.

— Parece que eu só posso torcer por uma crítica razoável no jornal amanhã. – Induziu Arthur na melhor das intenções e deixou vinte reais entre os críticos na mesa, de cortesia.

Um sorriso desanimado do senhor França.

Ao menos uma surpresa agradável aquela noite teria. Devia-se a presença de seu amigo de infância, Paulo. O homem costumara a brincar com Paulo perto do velho porto quando criança, já que morara no litoral até quase a idade adulta. Já na adolescência, as visitas dos dois ao velho porto continuaram frequentes, nessa época, para reunir a turma e contar histórias e lendas assombrosas que ouviam dos mais velhos sobre aquele lugar.

Apesar da impressão dos críticos sobre as outras peças de Arthur, podia-se considerar que aquela peça chegou a um teatro bem conceituado, onde respeitosamente já foram apresentadas peças clássicas da literatura brasileira no século passado, mas hoje o teatro vivia de adaptações de peças gringas trazidas ao Brasil por atores da grande mídia. Arthur se lembra de que vira naquele teatro uma versão mais recente de Os Deuses de Casaca nos anos 70 com seus pais e irmãs, há poucos meses que se mudaram do litoral, e achou que sua carreira deveria ser entalhada atrás das máquinas datilográficas, escrevendo ato por ato de suas futuras peças imaginárias.

O homem deixou os críticos com suas anotações minuciosas, e caminhou entre as pessoas até a outra extremidade do bar, onde encontrou Paulo e uma moça nova e alta de cabelos tão claros quanto o trigo, que ele presumiu ser sua noiva.

Paulo era um homem de meia idade, com tons de grisalho nas laterais dos cabelos, penteados para trás. Sobre a camisa, vestia um pulôver marrom bem tradicional, de lã, já com algumas bolinhas do tecido a mostra. Parecia muito melhor financeiramente e fisicamente desde a última vez que Arthur o vira. A moça, magra e de vestido preto, as pernas pouco a mostra pela maneira que ela as cruzava sentada ao bar.

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