Santo Antônio de cabeça pra baixo

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-Tudo que você precisa fazer...- disse a sua avó a olhando no fundo dos olhos.
Ariel precisava saber. Ela precisava saber o que tinha quefazer para atrair o amor. Era tudo que queria.
-É pôr...
Por que ela estava enrolando tanto? Era só falar.
-Santo Antônio de cabeça pra baixo.
Isso é fantástico! Pera, o quê?
-Um santo de cabeça pra baixo?
-E rezar.- ela concluiu.
-Vó, isso não faz o menor sentido!
-E quem disse que era pra fazer?
Ariel bufou. Sua avó não estava ajudando em nada. Ela só queria ter um namorado antes de sair do ensino médio. Queria viver um amor inocente e imaturo antes de ter um relacionamento adulto e sério. Ela queria andar de mãos dadas com alguém no corredor da escola e receber cartões em formato de coração e bombons de chocolate, mas não achava que um santo de cabeça pra baixo fosse proporcionar tudo isso.
-Ele é o santo casamenteiro, querida.
-Eu não quero me casar!- ela disse desesperadamente.
-Ah, ele ajuda os namorados também.- disse sorrindo.
-A senhora fez isso?
-Claro. E olha o que eu consegui.- As duas olharam para o avô de Ariel, que roncava em sua poltrona.
-Ele era um partido na época.- defendeu-se.
Na volta para casa, Ariel tentava decidir-se se era bom fazer isso. Suas amigas a achariam uma louca, mas não custava tentar, né? Ela não estava desesperada, porém poderia tentar só para ver o que aconteceria.
Por isso, naquela mesma noite, ela vasculhou o sótão e achou um santo Antônio. Não demorou nem cinco minutos e o santo já estava de cabeça para baixo na cômoda de seu quarto.
Talvez ela estivesse um pouco desesperada.
-Eu não sei o que falar. Não pense que sou uma louca, por favor. Não acredito muito nessas coisas, mas vou experimentar. Então, se quiser botar na minha vida um Brad Pitt ou o Chris Evans, estou aqui só esperando, mas nada daqueles garotos insuportáveis. Eu só quero um amigo que eu possa beijar. E... é isso. Amém.
E deitou pensando no quanto era uma idiota.
•••
Santo Antônio estava há um mês de cabeça para baixo no quarto de Ariel.
E nada aconteceu.
O que só comprovava a teoria de que isso era uma besteira. E ela tinha dito isso para a avó, que falou pra ela tirar o bebê Jesus do colo dele e só devolver quando arrumasse um namorado, mas Ariel achou viagem demais.
No corredor do colégio, ela via o corredor enfeitado com corações indicando que o baile do Dia dos Namorados aconteceria amanhã. Era um dos dias mais temidos de Ariel, já que ela sentia inveja de todos aqueles casais fazendo coisas românticas em uma dia romântico. Ela era totalmente a favor da ideia de extinguirem esse dia, enquanto estivesse solteira, é claro.
-Eu já disse que posso falar com o Rodrigo. O amigo dele também não tem um par.
-Obrigada pela consideração, Lia, mas prefiro ir só.
      Nem sabia porque iria para aquele baile. Estava solteira desde que entendia por gente.
-Por favor, Ariel. Vai ser divertido.
-Eu não vou com alguém que nem conheço só porque não tenho ninguém.
-Você pode conhecê-lo enquanto dançam. Não é nada demais. Não estou pedindo para que se case com ele.- falou fazendo sua famosa cara de pidona.
-Está bem.- disse suspirando. Sabia que a amiga ficaria insistindo até que ela concordasse. Sempre era assim.
O dia passou rápido e quando percebeu, já estava em sua cama. Virou-se e olhou fixamente para o santo.
-Deveria tirar o bebê Jesus?- perguntou-se- Não. Já é loucura demais. Talvez poderia deixar um sonho de valsa. Gosta de chocolate?
Suspirou. Estava ficando maluca.
•••
A quadra estava lotada. Tinha vários casais abraçados, corações por todos os lados e uma banda tocava alguma música romântica dos anos 80.
-Ariel!- Lia gritou enquanto puxava seu namorado até onde ela estava.- Vem, vou te apresentar o Leo.
Antes mesmo que Ariel pudesse falar algo, sua amiga já a empurrava até um garoto que estava se empanturrando daqueles bombons de chocolate em formato de coração.
-Leo, olha quem tá aqui!- Lia gritou e o garoto levantou o rosto.
-Oi.- foi o que ele tentou dizer, e Ariel só pensava na parte que Lia disse "Ele é um gato!"
Mas, naquele momento, parecia um porco que havia acabado de brincar na lama.
Leo limpou a boca e olhou curiosamente para Ariel. Agora, sem o chocolate, era até bonitinho. Com cabelos castanhos e pele bronzeada.
-E aí? Sou o Leo.
-O nome dela é Ariel.-Lia disse por ela- Ela é tímida.
Uma música começou a tocar e Lia deu um pulo dizendo "É a nossa música, Ursinho!" e arrastou o namorado para o meio da pista de dança.
-Quer dançar?- Leo perguntou
Ariel apenas assentiu e os dois foram para a pista.
-Sabe, você não precisa ser uma cópia idêntica da Pequena Sereia. O cabelo já basta, mas fale um pouquinho.
-O que você quer que eu diga?
-É um prazer te conhecer?
-Ainda não sei se é um prazer.- respondeu.
-Assim você machuca meus sentimentos.
Ariel soltou uma risada nasalada. Ele não era tão ruim assim.
-Nunca te vi no colégio.- ela disse.
-Fazemos duas matérias juntos.- ele falou.
-Ah, desculpa, e-eu...- ele a interrompeu.
-Não é nada. São matérias tão inúteis quanto a minha existência. E você sempre fica na frente. O que dificulta prestar atenção em alguém que sempre fica atrás.
-Mesmo assim, eu sinto muito. Minha memória é péssima.
-Está tudo bem.- Leo disse sorrindo.- Agora você já sabe quem eu sou.
Os dois continuaram a conversar enquanto dançavam e quando a música acabou, ficaram andando pela quadra e comendo. Depois, foram para o jardim do colégio.
Ariel estava adorando tudo aquilo. Nunca havia conhecido alguém tão engraçado, inteligente e gentil como Leo. Ele poderia ter aquele jeito molecão e tirar sarro de suas sardas e de seu cabelo cacheado, mas ela gostava dele. Gostava do jeito que ele ria por quase tudo, que ele poderia muito bem se passar por um poste de tão alto que era, dos cabelos bagunçados, do fato de ele nunca parar de falar sobre Stephen King e Harry Potter e do jeito que ele chamava o seu nome. Era como Marianne Dashwood falava o nome de Willoughby.
Ela não estava apaixonada, de forma alguma. Era rápido demais para algo assim, mas gostava da companhia dele e, se ele quisesse, beijaria-o. Só isso.
-Qual foi a sua maior loucura?- ele perguntou.
-Por que está me perguntando isso?- ela riu.
-Sou uma pessoa curiosa.-deu de ombros.
-Seguir o conselho da minha avó.
-Isso foi a sua maior loucura? E como você não foi para num hospício?
-A minha avó é uma pessoa peculiar. Ela disse para eu botar um santo de cabeça pra baixo.
-O santo casamenteiro? Você já quer se casar?- ele estava gargalhando.
-Claro que não, idiota. Só queria testar.
A barriga de Leo já doía de tanto rir. Ele achava a garota que estava ao seu lado um tanto engraçada, de um jeito bom, é claro.
-E deu certo?
-Não.
Ele riu mais ainda.
-Pare de rir!
-Isso é hilário.- ele disse enquanto tentava respirar.
-Isso é trágico. Nem Santo Antônio consegue arrumar alguém para mim.
-Namorar alguém não é tudo.- ele disse um pouco mais sério.
-Eu sei, mas...- estava se abrindo rápido demais para ele. Havia acabado de conhecê-lo!- E-eu gostaria de viver esses namoros como nos filmes. Tipo em 10 coisas que odeio em você.
-Ninguém é assim. Acho impossível que um menino cante "Can't take my eyes off of you" na frente de toda a escola.
-Eu não gostaria que alguém fizesse isso pra mim. Seria vergonhoso.
Leo a olhou por alguns segundos, que mais pareceram horas para Ariel. Por que ele a olhava de um jeito que ela não conseguia decifrar? E por que ela não se sentia incomodada?
-Você é legal.- foi tudo o que ele disse.
-Você também é legal.-ela respondeu sinceramente.
E eles ficaram ali. Sentados lado a lado em silêncio e observando as estrelas. Geralmente, Ariel ficava envergonhada por não ter o que falar, mas era algo bom. Ela se sentia bem só de estar ao lado dele, mesmo que não entendesse o porquê.
-Acho que deveria parar com isso.- Leo falou do nada.
-Com o quê?
-Com essa coisa do santo. Essas coisas não acontecem desse jeito. Nenhum santo pode fazer duas pessoas se amarem. Nem elas mesmas. Apenas acontece. Uns têm a sorte de encontrarem algo recíproco. Já outras precisam lidar com um amor não correspondido, mas a vida é longa o suficiente para achar algo para amar. E isso já basta. Então não acho que você deveria tentar intervir em algo tão complexo. Apenas deixar rolar.
Ariel respirou fundo. Era a primeira vez naquela noite que ele havia ficado sério. Ela estava...surpresa. Não achava que um garoto como ele pensasse desse jeito.
-Você tem razão.- respondeu baixinho.-Mas eu só...- ele a interrompeu.
-Eu sei.- e sorriu pra ela.- Você irá achar o que procura algum dia. Não será do jeito que pensava, mas melhor. Só deixe rolar.
Leo deitou-se na grama e fechou os olhos.
Ariel o fitou. Suas palavras rodeavam a cabeça dela e a deixavam mais confusa.
-Quando você vai parar de me encarar e vai me beijar?- ele sorriu maliciosamente.
-E quem disse que eu quero te beijar?
-Está óbvio na sua cara. Só falta um outdoor dizendo "Beije aqui, Leo".
-Você é convencido.
-E você é o trabalho mais difícil que Santo Antônio já teve.
Ela o encarou tentando segurar a risada.
-Eu sei que acabamos de nos conhecer, mas é Dia dos namorados.E sempre foi um fetiche meu beijar uma gata debaixo das estrelas.
-Que romântico.- ironizou.
Ele revirou os olhos e a beijou. Foi tão rápido que nem deu tempo de se afastar ou virar o rosto, embora ela não quisesse fazer nada disso.
Ela não estava apaixonada, dizia para si mesma. Talvez tinha uma queda por ele, mas isso não importava. Pela primeira vez, Ariel não pensou em uma grande história de amor que poderia dar numa superprodução de Hollywood ou nos bilhetinhos de corações ou nas calorosas declarações de amor ou no Dia dos Namorados e muito menos em Santo Antônio. Pela primeira vez, ela deixou rolar.

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