Os primeiros segundos de Strawberries and Cigarettes preencheram o ambiente. As luzes perderam a intensidade de forma que o local ficasse mais escuro. As pessoas se aproximaram de seus pares para dançar, outros para se perderem em um ósculo intenso e o restante, aqueles que estavam sozinhos como Beatriz, apenas observavam os casais enquanto bebiam algo com bastante álcool. A garota de cabelos castanhos encarava um certo par que, por mais irônico que fosse, estava sob a luz fraca de um dos holofotes coloridos de modo que fosse possível ver toda a cena: duas garotas, uma de cabelos cor de rosa e outra de cabelos ruivos um pouco mais baixa que a parceira, ambas em meio a um beijo intenso, cheio de luxúria.
Beatriz respirou fundo e encostou-se no balcão de mármore, onde esteve o tempo todo desde que percebera a presença de sua ex com a garota de cabelos cor de rosa. Não pensou que Jasmim superaria o término tão rápido, contudo o motivo estava ali diante de seus olhos. A música ainda tocava e parecia nunca acabar enquanto as duas continuavam aos beijos.
Bia se mexeu incomodada, virou o copo com o restante do líquido com sabor de menta e logo um calor desumano apossou-se de seu corpo devido ao álcool. Pegou a jaqueta jeans que deixara sobre o banco de couro e saiu dalí a passos rápidos, sem olhar para trás, sem deixar um único suspiro ou lágrima escapar. Passara por pessoas que choravam, que gemiam e que murmuravam palavras desconexas, perdidas em sua própria mente.
Sentiu a brisa fria da noite chocar-se contra seu corpo e respirou fundo, um grito preso em sua garganta. Andou até o estacionamento e olhou em volta para ter certeza de que estava sozinha e... gritou. Bateu os pés no chão, jogou a jaqueta para longe enquanto gritava, não parou até que sua garganta doesse e estivesse cansada. Andou até estar próxima da parede da boate e se sentou ali, com as pernas encolhidas e fechou os olhos. Que merda de noite, pensou.
Sentiu seu coração acelerar e todo seu corpo tremer ao sentir um toque em seu ombro. Abriu os olhos e havia um copo de plástico a sua frente, segurado por uma garota de cabelos longos e louros.
- Não é veneno ou algo do tipo, é só água. - ignorou a voz calma da garota e continuou a intercalar o olhar entre o copo e seu rosto. Lábios finos e avermelhados, maltratados por diversas mordidas. O delineado perfeito marcava seu olhar sereno, a pele amorenada brilhando sob a fraca luz do local. - Se quiser eu bebo metade, mas sua garganta vai sentir falta.
Em instantes Bia pensou no que deveria fazer, porém sua mente a levou para dentro da boate onde, provavelmente, Jasmim ainda se agarrava com a outra, então pegou o copo e bebeu toda a água, sem se importar se tinha alguma substância estranha alí. Não sentiu gosto algum e, caso houvesse algum efeito colateral - um coma ou a morte, talvez -, naquele momento não faria diferença alguma para si. Sua morte chegaria uma hora ou outra.
- Você foi corajosa e forte, também. - a desconhecida sentou-se ao seu lado, com as costas coladas a parede. - Não por ter gritado, mas por ter saído de lá sem chorar. Eu não fui capaz de fazer isso.
- Do que está falando? - Bia encarou a garota, a confusão presente em seu olhar.
- Ver minha ex com outra ainda me machuca, mas ao contrário de você, eu saí aos prantos. - retribuiu o olhar e sorriu sem mostrar os dentes. - É difícil superar um término, mas com o tempo você se esquece e até aprende, se quiser.
- Como sabe que eu não chorei e que observava minha ex? - virou-se completamente para a garota.
- Eu estava ao seu lado no balcão e quando saiu daquele jeito resolvi ir atrás, caso precisasse de consolo. Suas ações foram parecidas com as minhas.- a garota balançou os ombros - Eu quis alguém para me dar um pouco de água e conversar, então...
Beatriz balançou a cabeça para mostrar que entendia a garota.
- Obrigada!
O som da música era muito alto, as paredes tremiam e era possível ouvir a letra perfeitamente. Ficaram alí sentadas, uma ao lado da outra, em silêncio e com o olhar perdido no nada. Às vezes uma ou outra soltava algum suspiro ou se mexia, contudo sempre em silêncio.
- Está ouvindo? - perguntou a garota ainda com o olhar para o nada.
- O que?
- A música.I don't want your body
But I hate to think about you with somebody else
Our love has gone cold
You've intertwined your soul with somebody elseBia sorriu levemente, com o olhar atento sobre o semblante da garota de cabelos castanhos. Seus olhos fechados, as mãos sobre o colo e o pé direito em movimento. Ela aproveitava a música como se fosse o último instante em que pudesse ouví-la.
And c'mon baby
This ain't the last time that I see your face
And c'mon baby
You said you'd find someone to take my placePercebera que a garota abrira os olhos cheios de lágrimas somente quando ela tocara seu rosto com a mão gélida e trêmula. Bia prendeu a respiração ao que o rosto da garota se aproximava. Não se moveu, na verdade não tinha a intenção de o fazer, então com o polegar enxugou uma lágrima que escorria pelo rosto da garota e colou ambos os lábios em um beijo calmo e profundo.
I'm looking through you
While you're looking through your phone
And then leaving with somebody else
No, I don't want your body
But I'm picturing your body with somebody elseCom sua permissão, Bia explorou aquele novo mundo, as novas sensações que aquela garota lhe proporcionava. Em meio aquele turbilhão de sentimentos, sentiu seu corpo se arrepiar ao que percebeu o que acontecia alí.
Estavam machucadas, com a dor produzida pelo fim de um relacionamento, com os corações em pedaços no qual buscavam um meio para se curar. Naquele momento elas se permitiram buscar a cura, mesmo que durasse apenas alguns segundos ou um instante. Se agarraram no primeiro fio de luz que encontraram.Got someone you love?
Get someone you need?
Fuck that, get money
I can't give you my soul
'Cause we're never aloneA música tomava conta de seus ouvidos, a letra mexia com todo o seu ser, a melodia vibrava dentro de seus corpos. Pensaram naquelas pela qual encontravam-se machucadas, naquelas que machucaram-nas um dia e naquelas que o fariam.
Beijavam uma a outra com necessidade. Necessidade de atenção e carinho, de serem preenchidas por aquilo que, um dia, chamaram de amor.Got someone you love?
Get someone you need?
Fuck that, get money
I can't give you my soul
'Cause we're never aloneQuando os pulmões imploraram por ar e seus lábios, já tão inchados, se afastaram, então elas finalmente se enxergaram. Encontravam-se diante um espelho, um olhar refletindo tudo o que a outra sentia. A realidade voltava aos poucos e antes que pudessem gritar ou chorar novamente, entregaram-se a outro beijo, mais necessitado, quente e delirante. Entregaram-se ao possível caminho para um novo abismo.
Got someone you love?
Get someone you need?
Fuck that, get money
I can't give you my soul
'Cause we're never aloneI don't want your body
But I hate to think about you with somebody else
Our love has gone cold
You've intertwined your soul with somebody elseI'm looking through you
While you're looking through your phone
And then leaving with somebody else
No, I don't want your body
But I'm picturing your body with somebody else
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Somebody Else
ChickLitO fim de um relacionamento não significa, necessariamente, que o sentimento acabou. O amor ainda é um velho amigo. O desejo por seu corpo existe, contudo não é mais o mesmo e, devo dizer, que odeio pensar ou te ver com outra pessoa.