Arte Moderna
Naquela tarde, início de outubro de 2008. Senhor Haroldo, um advogado renomado da cidade de São Paulo, entrou pela porta com uma imensa caixa nas mãos. O sorriso brilhava de canto a canto em sua face. Paula, sua dedicada esposa, o recebeu com um grande abraço. Logo, seus filhos desceram as escadas da imponente mansão Daltro, que ficava em um bairro nobre, queriam ver de perto a mais nova aquisição de seu pai: um colecionador de artes. Todos o cercavam, na ansiedade de ver com os próprios olhos, a obra mais cara que o homem já havia adquirido. Ficaria exposta na imensa sala de visitas, onde olhos apurados poderiam admirar a sua real beleza.
O nome da obra? "O Interior". Pintada por uma artista chamada Raissa Félix: mulher, que havia feito de suas decepções com a humanidade, incríveis trabalhos artísticos, retratava em suas obras o interior mais obscuro e escondido do ser humano. Havia vivido até o ano de 2000, e falecido sozinha em um manicômio, com sessenta e seis anos de idade, onde foi internada pela própria família. Ninguém tinha muitos detalhes a respeito dos motivos que a levaram a um final de vida tão trágico, mas a sua obra era fantástica e valia alguns milhares de reais.
Devagar, com o máximo cuidado, Haroldo retirava a obra da caixa. Assim que completamente exposta, causou certo espanto: a obra valiosa, não passava de rabiscos disformes com coloração ferrugem, mas não eram apenas rabiscos feitos aleatoriamente com um pincel, valiam muito dinheiro e tinham um simbolismo: "O Interior". Breno, o garotinho, foi o único que usou de sinceridade absoluta:
— Meus desenhos são mais bonitos que isso aí!
Logo em seguida, veio à bronca do pai, da mãe e surpreendentemente, da irmã, que imersa em seu mundo adolescente, na maior parte do tempo, achou aquela obra incrível. Em sua mente, talvez pudesse se tornar uma artista daqui a algum tempo, afinal, fazer arte não exigia muita técnica, apenas rabiscos bem definidos e um nome atraente, dando à tela algo substancial.
Parada na porta, uma das ajudantes do lar da Senhora Paula, sentia um estranho arrepio ao olhar o quadro, não sabia ao certo o motivo, mas aquela sensação não passava. Foi chamada a realidade, quando designada para ajudar seu patrão a coloca-la na parede. Foram muitas medições, para que a obra ficasse o mais centralizada possível e logo, "O Interior", fazia parte da decoração.
Já naquela madrugada, Joana, a filha adolescente, depois de uma longa conversa com uma de suas amigas íntimas de colégio, onde contou animada sobre a aquisição de seu pai e o gosto repentino pela pintura de telas, desceu as escadas, queria observar com mais atenção o traçado exótico. Parou em frente à imensa tela e fixou seus olhos nela.
Algo estranho começou a acontecer: Os riscos cor de ferrugem adquiriram um vermelho intenso, desenhos macabros começaram a se traçar em uma velocidade alucinante, em segundos um filme diabólico e bem arquitetado se mostrava na tela: vultos disformes, com rosto em formato de gota, com mãos deformadas e sem face, rasgavam à machadadas algo que parecia ser uma pessoa. Dos buracos que deveriam ser olhos dos vultos, saia a mais pura maldade em forma de um líquido preto e viscoso que ao escorrer, envolvia o corpo da vítima retalhada, que gritava de forma lancinante, os dedos, já deformados, alongavam-se, como espinhos de roseira, e dos espinhos, surgiam outros espinhos, mais afiados, que auxiliavam na tortura.
Os olhos da garota, de castanhos tornaram-se vermelhos e em seguida, esbranquiçados, seu corpo inteiro tremia tomado por espasmos, do canto de sua boca, escorria um líquido preto e fétido. Foram cinco minutos deste cenário, até que tudo voltou ao normal. A garota, como se nada tivesse acontecido, voltou para seu quarto e dormiu o sono dos justos.
Na manhã seguinte, antes que a pirua escolar chegasse, tomou seu café, animada como poucas vezes a ajudante do lar, Berenice, havia visto. Estava empolgada e falante. Contava a respeito de seus planos de se tornar uma artista. A empolgação chegava a ser estranha, afinal, desde que Berenice começou a trabalhar naquela casa, e já se iam para lá de dez anos, nunca viu o interesse de Joana por outra coisa que não fosse sua própria aparência. Desde muito jovem a única coisa que encantava a garota, era o espelho.
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Arte Moderna ( Conto)
HorrorUm colecionador e sua maior paixão... Até que ponto é seguro trazer para dentro de seu lar doce lar, uma pintura moderna? Alguns traços de tinta que valem milhões podem transformar toda a história de uma família... E você? Gosta de arte moderna? Con...