parte um: RAPAZ PERDE GAROTA
NICK DUNNE O DIA DO
— Tony Kushner, THE ILLUSION
Quando penso em minha esposa, penso sempre em sua cabeça. No formato dela, em primeiro lugar. Quando nos conhecemos, foi na parte de trás da cabeça que eu reparei, e havia algo adorável nela, em seus ângulos. Como um grão de milho duro e reluzente, ou um fóssil no leito de um rio. Era o que os vitorianos chamariam de uma cabeça belamente formada. Dava para imaginar o crânio com bastante facilidade. Eu reconheceria sua cabeça em qualquer lugar.
E o que havia dentro dela. Também penso nisso: sua mente. Seu cérebro, todas aquelas espirais, e seus pensamentos disparando por essas espirais como centopeias rápidas e frenéticas. Como uma criança, eu me imagino abrindo seu crânio, desenrolando seu cérebro e vasculhando-o, tentando capturar e entender seus pensamentos. No que você está pensando, Amy? A pergunta que eu fiz com maior frequência durante nosso casamento, embora não em voz alta, não à pessoa que poderia responder. Suponho que essas indagações pairem como nuvens negras sobre todos os casamentos: No que você está pensando? Como está se sentindo? Quem é você? O que fizemos um ao outro? O que iremos fazer?
* * *
Meus olhos se abriram exatamente às seis da manhã. Não houve bater de cílios, nenhuma piscadela suave em direção à consciência. O despertar foi mecânico. Um assustador abrir de pálpebras de boneco de ventríloquo: o mundo é negro, e então, hora do show! 6-0-0, dizia o relógio — na minha cara, a primeira coisa que vi. 6-0-0. Foi uma sensação diferente.