Café e Torta

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Não costumava ser alguém que acreditava em destino.

Mas uma série de acontecimentos me fizeram acreditar que nem tudo pode ser coincidência no universo em que vivemos.

Principalmente quando vi Eduardo sentado naquele café lendo um livro pela primeira vez.

...

Gostava de sempre ir ao mesmo café perto do meu estúdio. Eu, assim como quase todos, gostava de um pouco de rotina em dias que eram quase sempre estressantes.

Era quase um ritual.

Escutar o sino ao abrir a porta do pequeno café, pedir um americano, me sentar ao fundo do lugar na mesa perto da janela que dava para a rua, colocar os fones e observar as pessoas indo e vindo ao meu redor com a costumeira pressa de sempre e às vezes escrever algumas letras de músicas.

Meus olhos mais cedo ou mais tarde acabavam no rapaz que se sentava sempre perto da vitrine de bolos e pedia um pedaço de torta de morango e à comia enquanto lia há cada dois dias um livro diferente.

Ele apenas ficava lá sendo bonito e comendo sua torta.

- Olha como aquele cara é bonito!

Sempre havia alguma adolescente tirando fotos escondidas, e dando risadinhas com as amigas, do homem e eu não tirava de certo modo as razões delas, mas ele não parecia ligar ou escutar as exclamações apaixonadas das garotas ou até mesmo garotos às vezes.

Sua postura era perfeita e mesmo quando usava um moletom rosa bebê velho e jeans cheio de rasgos ainda parecia um modelo.

A maioria dos livros que lia pareciam estar em inglês e quase todos eram livros que eu havia lido também e isso só me instigava a saber mais sobre ele.

- O que você tanto olha?

Henry havia perguntado em um dia que resolveu me acompanhar até o café. Ele também tinha seus dias de querer sair do estúdio e observar o mundo ao nosso redor, mas nunca observávamos o mesmo tipo de coisa.

Dei uma desculpa qualquer sobre estar olhando para o nada pensando em algumas letras não terminadas e estar tentando decidir um doce para comer e meu amigo pareceu fingir acreditar depois de olhar em volta e não encontrar o que poderia estar prendendo tanto a minha atenção enquanto ele tentava discutir sobre nosso próximo show e sobre como Hector queria que fizéssemos algumas reuniões para resolver algumas coisas sobre o novo álbum que estávamos produzindo.

Respondia Henry superficialmente enquanto olhava para o rapaz do outro lado do café concentrado em sua leitura.

Quem percebesse me chamaria de stalker ou pervertido, mas eu gostava de o observar. Franzindo a testa às vezes enquanto lia. Ou formando um leve bico em seus lábios fartos ao perceber que seu café ou torta haviam acabado. Ou ajeitando os óculos de aro redondo que caiam muito bem em si.

...

Entrei naquele dia em especial no café me sentindo extremamente tentado a me aproximar do rapaz, mas o mesmo chegou um tanto mais tarde que o normal. Por conta da chuva forte que cobria a cidade, supus.

- Você poderia entregar um pedaço de torta de morango para aquele homem ali? Junto com este bilhete?

A atendente concordou com a cabeça sorrindo e recebeu o pagamento pelo meu café e a torta e andei, apressado e quase tropeçando nos próprios pés por conta do nervosismo e cadarços mal amarrados, para minha mesa enquanto ela cortava o pedaço de torta com um sorriso malicioso nos lábios.

"Damien é meu livro favorito. Espero que aprecie a leitura junto com a torta. Morango parece ser seu sabor favorito"

Havia passado a noite em claro tentando escrever algo decente ao montar meu plano logo depois de ver a pessoa lendo Damien do Hermann Hesse e ainda nas primeiras páginas, mas tudo que haviam surgido em minha mente eram as palavras que nem pareciam vir de alguém que escrevia músicas há tanto tempo e era considerado um poeta por muitos.

Damien era meu livro favorito entre todos que eu já havia lido e não pude resistir a chance de tentar me aproximar do desconhecido.

Fingi estar concentrado em meu próprio livro quando a garçonete entregou o pedaço de torta com o bilhete e apontou discretamente para mim ao sorrir um tanto maliciosa quando o outro pareceu perguntar quem havia mandado a torta.

Minhas mãos suavam e eu balançava minha perna tentando não sair correndo no mesmo instante em que o rapaz abriu um grande sorriso e comeu um pedaço grande do doce.

Respirei fundo várias vezes tomando longos goles do meu café até que meu coração parasse de bater tão rápido, mas então tudo foi em vão ao ver o rapaz se levantar da sua mesa após terminar a torta e então começar a andar em direção a minha mesa com um sorriso que me fez sorrir de volta sem nem ao menos perceber.

- Obrigado pela torta. Meu nome é Eduardo. - Apontou para a cadeira em frente a minha. - Posso me sentar?

Sorri.

- Claro. Me chamo Felipe.

E foi assim que Eduardo deixou de ser um desconhecido para então ganhar meu coração, corpo e alma.






Obrigado por ler <3

Você pode me encontrar no meu Twitter falando muita merda e militando (https://twitter.com/LuaDeleitinho)

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