Rascunhou a própria imagem numa folha de papel
e achou-se mais parecido consigo mesmo ali
Do que na imagem impregnada no espelho
Ou na velha fotografia que registrara um tempo não vivido
Ele agora era aquele rascunho
Com traços imperfeitos, imprecisos, rabiscados
Essa parecia ser sua real fisionomia
Esse desenho parecia mais com seu cenho
Enfim, havia encontrado seu auto-retrato
Se fez a esmo, com pressa de logo vê-lo terminado
Por suas próprias mãos, com seu próprio conceito se si mesmo
O papel branco e as linhas pretas, as únicas cores
que todo bom desenhista sabe não serem realmente cores
São apenas presença e ausência de luz
Ele se sabe incolor, pois sabe que nunca amou
Ele se sabe disforme, se sabe sem nome
Ele se sabe dor
Ele se sabe de cor
Sua auto-imagem não deveria ser retocada
Nada de correção ou arte-final
Ele era daquele mesmo feitio ali registrado
Era luz e sombra, era o nada cheio de cercas
Ele era aquilo e não poderia melhorá-lo
Tampouco seria capaz de póstuma reprodução
que lhe seria mais fiel e verdadeira
E imediatamente terminado o esboço –
pois mesmo sendo-o inteiro, aquilo nada mais era
do que um mísero esboço –
Ele rasgou a folha e desfolhou-se
Soube como era e regozijou em silêncio
Tinha íntima certeza de que depois de saber como realmente era
Poderia, a partir dali, ser qualquer outra coisa que quisesse