A voz do pescador

     Essa é a história de como uma mulher, que dentro d'água é costumeiramente chamada de sereia, é encantada por um humano, que quando entra em seu barco ganha o nome de pescador, e de como pela primeira vez o efeito foi o contrário ao que todos pensavam.
     Ela era assim como narram nos mais famosos contos, desde os tempos mais primórdios. Seu canto é imbatível e o brilho contido em seus olhos pode causar a mais terrível cegueira.
     Em terra, quando a última gota de água finalmente seca, suas exuberantes pernas aparecem para lhe prover o caminhar.
Seus cabelos são escuros como a noite, enormes, pois nunca foram cortados e adornados com tranças e pequenos objetos brilhantes​ que foram encontrados nos lugares mais profundos do oceano.
     Quando no mar, seu habitat natural, dança nadando com sua cauda, as pequenas escamas verdes brilham com os raios de sol que penetram na água e até mesmo os maiores animais param e observam tamanha beleza existente.
     Já ele, como ela já era acostumada a ouvir, era apenas mais um vilão do mar, mais um que tirava seu sustento com o arpão e a rede. E ela sabia o que fazer com pessoas assim.
     Seja pesca grande ou pequena, era seu dever proteger o mar, era seu papel dizimar todos que tiravam a vida daquele local. Ali era seu santuário e ninguém poderia chegar tão próximo.
     Os homens daquela região sabiam até que ponto chegar com o barco e qual o horário de voltar, ninguém tinha conhecimento do que exatamente acontecia com quem ultrapassasse, mas tinham consciência de que nunca regressaram para suas famílias.
     Ele, aventureiro e desafiador, se propôs a seguir o mais longe do que qualquer um já foi, e ela sabia disto.
     Ele iria ter a sua punição.
Ele encheu seu barco com as diversas vidas tiradas dali, enquanto ela já preparava o seu mais poderoso canto.
     A sereia acelerou seu nado, focando todas as suas forças e então o estrago estava feito, o barco havia virado e com ele o pescador veio ao mar.
     Ele, assustado, se debate por instantes até perceber tal presença. Ela então aproveitou sua deixa e lhe toca os ombros, fazendo-o encará-la, e então prestes a iniciar seu canto, quando ia pôr um fim em que lhe perturbava, se calou e olhou em seus olhos.
     Eles não demonstravam medo
Ela então o soltou e ordenou que fosse embora.
     Ele, porém, estava fascinando e voltava ali todas as tardes, e ela em todas as vezes cantava para ele sem emitir efeito algum.
Ela não conseguia compreender tal falha.
E foi então quando ele falou, quando sua voz ecoou em toda imensidão do oceano que a mágica foi feita.
     Mas não da forma como é descrita nos contos, pois aquele pescador era o único que tinha o poder de enfeitiçar uma sereia.

     E ela foi dele.

2 de de Junho de 2017