E aí, meu eu interior. Já fazia tanto tempo que a gente não conversava assim. Suas manias, suas piras, suas sinas já me fogem. Como se fôssemos dois, como se fôssemos estranhos, como se nos negássemos. A evidência da cisão é essa falta. Essa falta de sensação, de prazer no que é prazeroso, esse desencontro naquilo que eu antes tanto amava. Os livros viram papel; as mulheres viram corpos; os copos não trazem mais a mesma bebida. Agora, ouvindo Lo-fi e com água do lado, eu te mergulho. Eu te mergulho-me. Como Oliver no primeiro escrito do meu livro, tantos anos atrás. Lembro-me daquela sensação, que transcrevi num dos primeiros capítulos. De quando eu entrava na água, nas aulas de natação à noite e mergulhava nos pensamentos, enquanto os movimentos mecânicos iam passando. Ninguém podia falar comigo, eu não podia ouvir. A água apenas sussurrava. O mundo parecia sussurrar. E os sinos da igreja, logo ao lado, eram a música do meu bar interno. Como naqueles filmes americanos, nos quais o protagonista se senta no balcão, pede um uísque ou rum, e se encara no copo. Era como eu me sentia. É como me sinto quando escrevo assim. Eu talvez não sinta o mesmo que esses homens sentiam. Eles talvez sentissem demais, não aguentassem o peso. Talvez morressem de ódio, talvez morressem de amor – a vida nos ensina que são coisas tão próximas. Eu não sinto muito, e esse é o problema. Eu elevo os prazeres ao máximo que posso, tento pensar em todas as coisas que me animam. Mas elas não mais me trazem aquela forte paixão além do físico: quando trazem, é pouco. Já fui intenso demais, sou intenso de menos. Sempre em pontas de exagero, sempre no extremo, até no extremo zero. Até no extremo zero.