Ontem eu passei o dia todo sem fazer nada e levantei 8h para tomar café numa padaria perto de casa com Dona Ayra. Depois que saímos de lá fomos ao supermercado. A lista não era longa
• LISTA DO SUPERMERCADO
• 3kg de arroz integral
• 2kg de feijão
• 3 pacotes de massa de macarrão sem ovos
• 12 ovos
• 3 cenouras
• 6 bananas
• 4L de água
• 1/2kg de carne
• 1 peito de frango
• 1 pacote de papel higiênico
• pães e frios
• iogurtesAlém do que estava na lista, mamãe quis comprar massa de bolo, leite condensado, creme de leite e chocolate em pó, pois iria fazer um bolo, coisa que eu não faço desde que fui morar sozinha. Pegamos tudo e fomos para a fila. Passamos pelo corredor de cosméticos e perdi um bom tempo ali, escolhendo alguns cremes. Chegamos ao caixa, depois de alguns minutos na fila.
Enquanto a moça do caixa passava minhas compras percebi que ela estava cansada, com olheiras, mas tentava esconder tudo isso embaixo de uma maquiagem impecável. Seu cabelo estava bem preso com bastante gel para poder durar o dia todo, os lábios de cor vermelho sem brilho — talvez fosse aqueles batons matte — mostravam um sorriso forçado. O uniforme estava limpo e as unhas pintadas de azul. Não usava nenhuma aliança, mas alguns anéis. Aquela moça com certeza não queria estar ali, mas se não fosse assim quem iria pagar suas contas? Enfim, peguei as compras e saímos.
Pedi um Uber até em casa, que ficava quatro quarteirões dali. Mamãe estava no celular falando com algum parente, algo que se tornou frequente depois do diagnóstico da doença. Ela dizia que estava começando a ter medo de se esquecer das pessoas e de mim, então me pediu que imprimisse uma foto de todos que ela gostava e amava, para isso não acontecer.
Quando chegamos em casa ela foi para a cozinha fazer o bolo e eu fui para a sala ficar com a Mimi. Abri a porta da varanda, liguei o ventilador e acendi um cigarro. Não dava para ver muito do horizonte ali do sexto andar, porque em volta havia mais prédios. Mas a brisa que tocava meu rosto e balançava meu cabelo era o que me fazia companhia a cada trago.
Apaguei o cigarro e fui para a cozinha ajudar Dona Ayra. Mamãe e eu sempre fizemos tudo junto, sempre fomos muito amigas. Ríamos o tempo todo. Terminamos tudo e o bolo estava no forno. Em contrapartida lembrei-me da carta e fiquei pensando nisso alguns segundos, mas não sei por que isso aconteceu. Mamãe percebeu minha mudança repentina e quis saber o que estava acontecendo, mas hesitei e disse que não era nada. Ainda era hora do almoço e decidi pedir comida japonesa.
À noite fizemos filé de frango, arroz, feijão e salada para a janta, com suco de laranja para acompanhar. O bolo da mamãe ficou como sobremesa. Eram oito horas da noite e eu já estava na cama, havia algumas mensagens no WhatsApp mas ignorei todas e fui dormir.
Acordei às 6h da manhã, tomei banho, coloquei um vestido azul e fiz uma maquiagem leve, deixei o cabelo solto e fui para a cozinha fazer café. Mamãe ainda estava dormindo, então acendi um cigarro. Comi um pedaço de bolo, tomei o café, escovei os dentes e sai. Eram 7h e eu já estava no metrô.
Cheguei à empresa às 7h30m e Ricardo já estava lá. Sem muita cordialidade ele me chamou para ir até sua sala, pois havia muito trabalho atrasado. Entreguei meu atestado assim que nos sentamos e ele pôs-se a falar.
— Que bom que chegou no horário hoje, Thalassa. Ontem tive que deixar minha assistente encarregada de responder seus emails, mas nada comparado a sua agilidade. Enfim, como você está se sentindo?
— Eu to me sentindo melhor, prometo que não vai acontecer de novo. O médico passou alguns remédios e ta tudo sob controle.
— Que bom! Bom, eu quero que você agende essas entrevistas para segunda e realize as de hoje. Adiante o quanto você puder. Ta liberada pode ir.
— Ok, Ricardo.
— Ah, Thalassa...
— Sim?
— Você está com a aparência triste, reforça esse batom e tenta melhorar teu semblante. Se quiser pode até fumar um cigarro caso te ajude. Enfim, bom trabalho e qualquer coisa fala comigo.
— Obrigada Ricardo.
Saí dali e fui direto para minha sala, passei mais um pouco de batom e comecei a trabalhar. A impressão que eu tinha era que o dia seria longo e não acabaria tão cedo. Então fiz os telefonemas, tanto para agendar como para confirmar as entrevistas. Respondi alguns emails atrasados, mandei outros e fui fazendo minhas anotações.
A rotina administrativa era monótona, sem muita emoção. Todos os dias eu ligava o rádio para não me sentir tão sozinha naqueles poucos metros quadrados. Levantava para pegar um café, alternando entre um email e outro, tentando deixar o ar mais leve. Sempre deixava alguns bombons na gaveta, para comer enquanto tomava café. O gosto do doce com o amargo me trazia um sentimento de satisfação ao paladar. A hora do almoço nunca foi a minha preferida, mas era a mais importante. Eu sempre comia pouco, no meu prato tinha mais salada do que arroz e feijão, e todo dia alguém perguntava se era dieta e eu respondia que sim. Mentira. A comida do restaurante da empresa não era das melhores e mesmo com vale-refeição, eu prefiro comer só isso a um hambúrguer. Era também o único momento que eu fumava em paz e com calma, mesmo sendo autorizada a fazer isso fora de hora, apenas ali me satisfazia.
No fim do expediente, decidi andar pela Av. Paulista. Essa semana foi tão caótica que eu não queria ir pra casa cedo. Próximo a estação Trianon-MASP tem um bar que está sempre cheio, considerei parar ali para tomar uma cerveja sozinha. Para minha surpresa, quando cheguei, não estava tão cheio e eu pude sentar numa mesa do lado de fora. Não estava tendo música ao vivo àquela hora e como eu tinha pedido uma garrafa de cerveja pequena fui embora assim que terminei. Saindo do bar fui em direção a estação Consolação e ali do lado havia um parque. Eu nunca tinha ido lá e minha cabeça estava tão cheia por causa da minha mãe, do meu suposto pai que até então não passava de um morto pra mim, que achei que dar uma volta por ali poderia ser bom.
Era final de tarde e o parque estava cheio e movimentado, crianças corriam de um lado para o outro no parquinho, algumas pessoas se exercitavam e outras passeavam com seus cachorros. O sol ainda estava no céu quando decidi sentar naquele banco de madeira que ficava próximo a entrada. Ali havia um homem sentado que vestia uma calça slim preto e uma camisa branca, e em silêncio contemplava as árvores. Não me importei muito com sua presença nem ele com a minha. Havia se passado quarenta minutos quando decidi me apresentar.
— Boa tarde.
— Boa tarde, senhorita.
— Me chamo Thalassa, e você?
Estendi a mão para cumprimentá-lo, mas ele não disse nada, olhou no relógio, se levantou e saiu. Me senti constrangida, o que se passou na minha cabeça quando resolvi me apresentar? Ele parecia ser um cara simpático, porém misterioso. Entretanto o ocorrido não me abalou, levantei-me e fui sentido Augusta. Ainda eram 18h e eu estava ficando com fome.
Resolvi dar uma volta pelo parque antes de sair. Fiquei pensando no que acabou de acontecer, será que eu fui tão ingênua de achar que um estranho falaria comigo? Ou é por que estou há tanto tempo sem conhecer alguém de verdade que pensei que poderia dar certo? Eram perguntas sem respostas. Algo no meu interior me dizia para permanecer mais um pouco ali, talvez para ver o anoitecer, mas eu não queria admitir que fosse porque não conseguia parar de pensar naquele homem que em meio a tanta confusão conseguiu um espaço nos meus tormentos.
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Um Infinito Desconhecido
Short StoryCom a mãe doente, o aparecimento do pai, uma suposta promoção no emprego e sua vida amorosa em jogo, como Thalassa irá driblar os desafios do dia-a-dia e descobrir quem é o homem do parque? Acompanhe sua rotina para saber quais serão seus próximos p...