Não sei, ele era diferente, e eu podia sentir isso. Desde a primeira vez que nos vimos. Ou, melhor, desde a primeira vez que eu o vi realmente.
Ele ter me salvado daquele cara nojento foi um ato um tanto quanto heróico. E ainda me acompanhou até a porta da escola. Foi injusto o modo como Pepe tratou ele, e isso me irritou, ele é sempre muito protetor, mas nos resolvemos depois.
Naquele dia eu estava me sentindo muito bem, era um dia como qualquer outro, e eu estava em pé no ônibus. "O Cara" chegou por trás de mim, me segurou, e falava na minha nuca. Primeiro disse que eu não gritasse (não que eu realmente conseguisse fazer qualquer coisa naquele momento), e depois começou a falar sobre como eu sou bonita, sobre como meus cabelos são compridos e cheirosos, e como minha bunda ficava bonita naquela calça jeans clara.
Eu não consegui gritar, ou me mover, e foi terrível. Eu respirava com dificuldade e a cada palavra meu corpo arrepiava de medo e nojo.
E aí Miguel me salvou.
Quando contei a história, Pepe quase não acreditou, e se sentiu até um pouco mal por não ter me acompanhado naquele dia. Pediu desculpas, e eu o desculpei, afinal, não é como se ele tivesse feito de propósito ou soubesse que algo ia acontecer.
No dia seguinte, passei os olhos pelo recinto do ônibus e não o vi. Nem no dia seguinte, nem no outro, nem depois desse. Nenhum sinal de Miguel. A essa altura eu já me perguntava se ele era mesmo real, se poderia ter sido um anjo apenas, que veio pra me resgatar e nada mais, pensei mesmo.
Mas - eu pensava sozinha - se ele tinha dito "sempre te vejo por aqui acompanhada", ou qualquer coisa assim, já me viu outras vezes. Por que ele sumiu? Será que está doente ou algo assim?"
A questão me consumiu por alguns dias, confesso, mas guardei pra mim. Resolvi não falar para o meu irmão, e nem mesmo para a minha melhor amiga. Sei que "amigas contam tudo umas para as outras", mas ainda sim é preciso espaço.
E, também, o que eles pensariam de mim? Iam começar com uma conversa boba sobre eu estar interessada, sobre como eu me apaixono fácil, que não devo dar moral para qualquer um e blá blá blá.
"Mas, devemos chegar num consenso de que Miguel não é qualquer um. Não é mesmo. Sério, quantos caras teriam a sensibilidade que ele teve?" Eu argumentava e contra-argumentava comigo mesma.
Durante o final de semana, pensei algumas vezes sobre ele. Pensei em procurar no Facebook, ou em qualquer outro lugar, mas não dá pra simplesmente digitar " Miguel que me salvou de um assédio no ônibus numa manhã de segunda-feira" na barra de buscas.
~~
Segunda-feira. De novo.
Pepe não estava em casa, de novo, mas eu já estava grandinha e acostumada a suas ausências regulares. Ele é um bom irmão, e eu já entendi que não estaria fora se não fosse necessário.
Me arrumei tranquilamente, e saí para pegar o ônibus. E, para minha grande surpresa, sim, ele estava lá. Não consegui me conter e, ao passar a roleta, fui em sua direção e não consegui disfarçar minha animação ao chamar:
- Ei!
- Olá. - consegui um sorriso.
- Há quanto tempo! Você sumiu. O que aconteceu? Está tudo bem? - talvez eu tenha parecido um pouco desesperada.
- Sim, tudo bem. - talvez ele tenha ficado desconfortável.
- E pra outra pergunta?
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Deixo Registrado - Alternativo
RomanceA história sob a narração de Miguel você já conhece. Mas, se tiver a curiosidade de saber o que se passa nas outras vidas presentes na história, aí vai. ------------ Rayssa por favor lê isso também