Prólogo

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  — Do início, por favor. — Ele ordenou. A mera presença dele ali, mais perto do que eu havia imaginado, me causava um leve (beirando o alto) desconforto. Ele analisava e julgava minhas palavras com todo cuidado, na medida do possível.

— Qual dos? — Perguntei no mesmo instante.

— O que você preferir. — Ele completou.

Eu estava finalmente me lembrando. A garota, o garoto, a noite onde a história começou. Quando eu percebi, já havia me perdido em meio à música extremamente alta, luzes azul e rosa acompanhadas da fumaça lilás cobrindo o local. Era minha primeira festa, só pra constar...

— Tem certeza que tudo começou aí? — Me interrompeu.

Droga.

Ele percebeu que eu estava mentindo. Como? Por algum motivo, não havia como mentir. Eu teria que contar a verdade, por mais que eu quisesse negar com todas as minhas forças que aquilo realmente aconteceu daquela maneira.

— C-Como? — Me fingi de sonso, na esperança dele mudar de ideia.

— Eu pedi o início, senhor Torres. — Começou, com toda calma e paciência do mundo — Não foi aí que tudo começou.

Minhas suspeitas estavam certas.

— N-Não... — Eu admiti, o deixando satisfeito.

— Senhor Torres, quero que entenda que...

— Não precisa me chamar assim... — A sensação de o interromper foi melhor do que eu achei que seria. Ele ficou sem graça.

— Que?

— Acredito que nossa relação seja forte o suficiente para superar essa formalidade... — Comecei. Ele ficou surpreso com minha atitude — Pode me chamar de Rubens.

— Certo, Rubens... — Corrigiu logo em seguida, ao mesmo tempo que arrumava sua postura — Podemos começar do início agora?

A resposta saiu da minha boca antes que eu pensasse direito.

— Sim.

***

O verdadeiro início da história começa em uma tarde nublada de segunda-feira, quase no fim do primeiro ano da faculdade, que se não fosse pelos meus pais provavelmente já teria desistido nos primeiros dois meses.

— Rubens? — Kevin, meu melhor amigo, interrompeu meu momento de distração. Até mesmo se perder nos próprios pensamentos era mais interessante do que assistir as mesmas aulas repetitivas todo santo dia. Me virei.

O que foi? Perdi alguma coisa?  — Perguntei quase que imediatamente.

— Nah, só queria perguntar se você estudou pra prova.  — Ele respondeu. Como sempre, eu não sabia do que ele estava falando.

— Q-QUE PROVA?!

— Já me respondeu. Que merda, eu ia copiar de você! — Ele pareceu irritado. Não entendi o motivo.

— Você não deveria seguir o meu exemplo! — Brinquei.

— Sinceramente, eu acho que é você que segue o meu!  — Riu. No mesmo momento, a professora entrou.

Depois da mesma apresentação que acontece todo dia, eu imaginei que ela passasse a prova de uma vez, mas ao invés disso, ela começou a explicar o que parecia ser um novo projeto.

— Vai envolver todos vocês.  — Ela começou. Suspirei. Odiava participar desses projetos interativos. — Serão 3 grupos. Cada um deles visitará uma sala de de uma escola de ensino médio escolhida por nós.

  — Ahn... qual seria o objetivo?  — Kevin levantou a mão, o que com certeza era uma das coisas mais raras que eu já tinha visto.

— Uma ótima pergunta.  — A professora respondeu. Ela sempre dizia a mesma coisa toda vez que alguém lhe perguntava algo.  — Todas as salas que serão visitadas são do terceiro ano. O objetivo final seria converter esses estudantes para nossa universidade.

Já entendi. A clássica manipulação pra atrair mais gente. Aquela faculdade está muito perto de falir por falta de alunos, mas eles insistem que podem a salvar apenas com a colaboração dos poucos que ainda restam. Não me admira que era a mais barata.

— O ônibus passará para levá-los às 15:30 e retornará às 20:00. Com sorte, teremos tempo para assistir as últimas três aulas de cada uma das 4 salas da escola municipal Laika 38 — Ela continuou. — Vocês serão liberados mais cedo hoje. Vão ter uma longa semana a partir de amanhã! — Ela finalizou, em uma tentativa de parecer empolgada.

— Laika 38 não é aquela escola rica do centro da cidade? — Kevin sussurou pra mim.

— Sim... — Lamentei, já imaginando o quão difícil aquela semana seria — Vai ser um pesadelo...

Não foi.

***

— É asim que tudo começa...— Eu falei. Estava prestes a continuar quando ele me interrompeu, em tom de desaprovação.

— Você ainda não falou dela. — Ele disse, por fim.

— Se eu já começasse a falar dela, você com certeza não ia entender...

— Pelo contrário. Eu sei mais do que você pensa, Rubens...

O que ele disse me assustou um pouco. O fato dele saber quando eu estou mentindo e agora afirmar que sabe muito sobre mim é um pouco perturbador, pra não dizer outra coisa.

— Ótimo. — Disse, já perdendo a paciência — Se você insiste, vou falar logo sobre ela...

— Sou todo ouvidos. — Ele apoia a cabeça em seus braços cruzados, mostrando que estava prestando atenção.

Eu continuei.

O Que Aconteceu com Carmen Lucy?Onde histórias criam vida. Descubra agora