Era noite, eu estava deitado em uma cama improvisada no chão, que apesar de ser razoavelmente dura, ainda sim era mais confortável do que nada, eu sentia muito frio, pois morava no alto de uma montanha e naquele momento, nevava lá fora, embora houvesse uma fornalha próximo a onde eu costumava dormir, precisava economizar lenha, pois me faltaria para preparar o alimento nos próximos dias, por outro lado, comida não seria um problema, já que eu havia feito uma reserva considerável, mas a maior razão pela qual eu relutava tanto em gastar lenha era muito clara e simples: o inverno já perdurava por mais de dois anos, o que quer dizer que a primavera nunca chegou, e quando os ursos despertaram de sua hibernação, o alimento era escasso, e quando foram hibernar no ano seguinte, como não tinham se alimentado direito, logo despertaram famintos, por conta disso e do frio, buscar lenha era algo arriscado, mas eu não tinha escolha, com algum esforço consegui erguer meu corpo dormente, minhas pernas estavam frias e doloridas, assim como meus braços, relutantemente coloquei os poucos pedaços de madeira que me restavam, e raspando duas peças de ferro recentemente forjadas, consegui produzir algumas fagulhas. Ao acender o fogo, dei uma última ajeitada na lenha que ardia nas chamas alaranjadas, puxei a cama para mais perto do calor, senti aos poucos meu corpo se aquecer, senti o cheiro da madeira queimando e estalando, que embora fossem reconfortantes, me traziam péssimas lembranças, mas, tentando ignorá-las, peguei a coberta que anteriormente me cobria e voltei a me deitar.
No dia seguinte, ainda de olhos fechados, pensei:
_Tomara que aquilo tenha sido um sonho, por favor, Deus diga que aquilo não foi real!_Então, abri meus olhos lentamente e o que vi foram apenas cinzas, olhei para o lado, e realmente, aquilo não tinha sido um sonho, ou um pesadelo como no meu caso. Teria que se aventurar do lado de fora se não quisesse morrer de fome, por um lado, eu me sentia feliz por não ter morrido de uma maneira tão lenta e dolorosa, e para alguns uma maneira patética de morrer. Todavia por outro eu me sentia fraco, por não ter conseguido suportar o frio daquela noite.
Suspirei, tentando deixar isso um pouco de lado, e peguei meu machado que estava sobre a mesa, também havia um balde cheio d'água sobre a mesma, na falta de um espelho, observei meu reflexo no líquido transparente, vi um cara barbudo de nariz ligeiramente torto, como se já tivesse sido quebrado ou algo assim, seus olhos negros e um olhar sério um tanto sem emoção também eram características marcantes, com um pouco de água nas mãos calejadas lavei o rosto, sai de casa logo em seguida, o vento frio que me atingiu logo ao abrir a porta fez as vestes grossas que trajava parecerem praticamente inúteis, fechei a porta do pequeno casebre, segui tentando me locomover pela neve grossa, a cada passo dado eu afundava mais e mais na neve, tornando a caminhada mais cansativa, o ar gelado fazia minha garganta arder, e meus pulmões doerem, o fato de o ar ser rarefeito naquelas terras também não ajudava muito, mas eu já estava acostumado com isso, todavia para piorar, começou a nevar novamente, não demorou muito e a ventania se tornou mais intensa como se estivesse tentando me jogar para traz, logo comecei a me sentir tonto, minha visão começou a turvar-se, e comecei a pensar:
_Como cheguei a esse ponto?_ apesar de saber a resposta, por alguma razão ela não me parecia clara, não, a culpa de eu estar ali era inteiramente minha, ninguém era responsável por isso, esse é um caminho que trilhei solitariamente, minhas atitudes me condenaram, e isso não era problema de ninguém.
Eu nunca fiz muita questão de ter amigos ou família, provavelmente isso tenha sido minha ruína, durante muito tempo acreditei piamente que poderia viver sozinho, que jamais sentiria a falta de ninguém, talvez esse pensamento fosse apenas orgulho, ou medo de ser traído, disfarçando de ego forte, construí dentro de minha própria mente a imagem de um homem forte e independente, um homem que certamente nunca existiu, eu tinha orgulho de pensar assim, pra ser sincero me fazia sentir melhor, pelo menos por fora, na verdade nunca parei pra pensar sobre isso, de repente minha maior qualidade tornara-se minha maior desgraça.
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Inferno Gelado
FantasyYohan é um ferreiro que vive em um pequeno casebre no alto de uma montanha congelada, sua região vive o que parece ser um inverno eterno, porém tudo muda quando recursos vitais acabam e tudo muda.